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Janeiro: fé, religião e política.
Janeiro é um mês repleto de efemérides interessantes tais como o dia de São Sebastião, Padroeiro de várias cidades, entre as quais Ribeirão Preto e Rio de Janeiro, comemorado no dia 20. Apesar de confundido com Santo Expedido, por Regina Duarte, o santo possui um grande número de devotos e uma linda história.
Segundo ensinam, nascido na França, foi cedo para a Itália e tornou-se capitão do exército do Imperador Maximiano, denunciado recebeu a ordem de renunciar à sua fé em Jesus Cristo e diante da negativa foi condenado a uma pública e cruenta. Recebeu várias flechadas e foi deixado para sangrar até a morte. Ele resistiu, continuou vivo e, depois de recuperado voltou a evangelizar e novamente colocou-se diante do Imperador para solicitar que parasse de perseguir os cristãos. Da segunda vez foi açoitado até a morte. Ele levou a fé até as últimas consequências, mas não ameaçou tão pouco matou ninguém, ao contrário, entregou a própria vida.
Na sequência, 21 de janeiro é Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. Os dados desta prática no Brasil são alarmantes, mas na Baixada Fluminense uma situação chama a atenção: o chamado Bonde de Jesus. O grupo formado por traficantes que se dizem convertidos e evangélicos, promove ataques a terreiros de umbanda e candomblé.
Temos, ainda, o 27 de janeiro, Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, página vergonhosa onde grupos sociais considerados “inferiores”, pelos nazistas, como negros, homossexuais, judeus, Testemunhas de Jeová e ciganos, sofreram todas as barbáries nos campos de concentração. Curiosamente neste mês o país ficou estarrecido como o pronunciamento do ex-secretário da cultura em clara apologia ao nazismo
Observamos que as três datas trazem algo em comum a relação entre fé, religião e poder político e como as duas primeiras podem ser utilizadas como instrumento de dominação. As religiões exercem grande influência na forma que as pessoas enxergam e pensam o mundo e historicamente reis, imperadores e líderes em geral souberam usá-las. A Bíblia e os livros escolares estão recheados de exemplos: Sadraque, Mesaque e Abede-nego foram lançados numa fornalha ardente, a mando do rei Nabucodonosor; João Batista foi decapitado; Jesus e vários discípulos crucificados; Joana D’Arc foi queimada viva…
Na atualidade continua sendo instrumento de segregação de minorias, limitando o acesso a direitos humanos, criando uma legião de refugiados, promovendo divisões em várias nações e fomentando vários conflitos. Mais existe uma esperança e duas igrejas tradicionais dão importantes demonstrações de estímulo à compreensão e diálogo.
A Igreja Adventista do Sétimo Dia organizou o Departamento de Assuntos Públicos e Liberdade Religiosa que “não só se preocupa com a liberdade religiosa dos membros e das organizações e entidades que mantém, mas também apoia o direito irrestrito à liberdade religiosa para todas as pessoas, independentemente de sua filiação religiosa”.
A Igreja Católica, através do Concílio Vaticano II e do documento Nostra Aetate, exorta seus filhos exercitarem “a prudência e amor, através do diálogo e da colaboração com os seguidores de outras religiões, testemunhando sempre a fé e vida cristãs, reconheçam, mantenham e desenvolvam os bens espirituais e morais, como também os valores socioculturais que entre ele se encontram”.
Falando de religiosidade e de janeiro, não podemos esquecer de Salvador, na Bahia, onde mais de um milhão de pessoas estiveram mobilizadas da Lavagem do Bonfim e no cortejo com grupos de entidades católicas, afoxés, blocos afro e representantes dos terreiros de candomblé. A novidade foram evangélicos distribuindo “fitinhas do Senhor Jesus” para substituir as “fitinhas do Senhor do Bonfim”.
Em um país com grande divisão ideológica, respeitar os locais e liturgias religiosas; garantir a inviolabilidade e as liberdades individuais de crença, credo, culto e religião é dever de todos.
Estamos desenganados
Certa feita ouvi algumas pessoas comentando que alguém conhecido estava muito doente e que os médicos já haviam desenganado a família. Durante certo tempo fiquei refletindo sobre aquele termo. O que seria desenganar? Será que somos enganados com a possibilidade de melhora até um profissional chegar e contar a verdade?
No dicionário informal, desenganado é o paciente terminal que não possui mais tratamento ou medicação para cura. Contar toda a realidade para o paciente e seus familiares, pode assustar e impactar no início, mas a verdade apresentada com habilidade torna o cidadão mais consciente das possibilidades, podendo colaborar no engajamento ao plano terapêutico.
Nenhuma propaganda ou discurso ideológico será capaz de negar a realidade: o Brasil está muito doente! E não só por conta da Covid-19, mas também pela corrupção, desemprego, violência, entre outros males. A boa noticia é que este país tem cura, mas precisará seguir corretamente o tratamento, tomando o medicamento certo, na dose e tempo certos. Estamos sem um projeto nacional, a pobreza, a miséria e a exclusão aumentaram e faltam políticas pública inclusivas e justiça social. Apesar da grande renovação no parlamento e nas assembleias legislativas, não conseguimos a reforma do sistema político e as velhas práticas continuam sendo observadas.
Apesar da crise, muitos insistem em embates desnecessários e inoportunos, buscando soluções mágicas para problemas graves, quando a prioridade agora não é saber qual grupo está certo ou errado, mas sim preparar a economia e todo arranjo produtivo para o pós pandemia. Agora urge, ainda, reduzir os índices de contaminação e letalidade.
Na ausência de um grande líder nacional, estados e municípios tentam superar as tradicionais barreiras da falta de estrutura, condições de trabalho, equipamentos e tecnologias adequadas. A legião de profissionais da saúde está cansada e fragilizada, testemunhando diariamente a morte de pacientes e colegas de trabalho. Mesmo diante de tantos problemas, continua com altivez, exercendo o mister de cuidar de gente e salvar vidas. Merece respeito, solidariedade e também valorização.
A pandemia mostrou que o SUS é indispensável para a população brasileira, especialmente as parcelas mais necessitadas, mas também escancarou suas falhas e mazelas. Agora é fundamental que a rede pública e a privada de saúde proporcionem segurança no ambiente de trabalho, notadamente com aquisição de equipamentos de proteção individual (EPI) adequados e a reorganização de processos de trabalho. Superada a crise, o Congresso Nacional precisará rever a Emenda Constitucional 95 que limitou os gastos públicos, inclusive da saúde.
Precisamos investir pesado na qualidade do ensino e formação dos futuros profissionais da saúde e atualização permanente dos atuais. Ainda, reforçar a atenção primária; melhorar os serviços de retaguarda e a gestão hospitalar; informatizar toda a rede; ampliar serviços e recursos humanos e inserir novas tecnologias. Não é admissível verificar as longas filas em serviços que podem ser agendados, tão pouco a inadequada comunicação com os pacientes em plena era digital.
O Brasil conta com excelentes profissionais na academia, na pesquisa e também na linha de frente da saúde. Precisa de mais e melhores gestores. Em analogia à assistência farmacêutica, precisamos de gestores e políticos de referência, talvez até similares ou genéricos, o que não dá para aceitar é esse tanto de gente placebo.
Agora que estamos desenganados, vamos fazer todo necessário para que a teoria se transforme em boas práticas. Que o SUS triunfe e a saúde pública de qualidade com financiamento adequado e acesso universal seja garantida.
Dia Internacional de Nelson Mandela
O calendário é repleto de datas dedicadas à celebração de temas, fatos, causas e pessoas. Em novembro de 2009, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas – ONU aprovou a criação do Dia Internacional de Nelson Mandela (Nelson Mandela Internacional Day) a ser celebrado anualmente em 18 de julho. Trata-se de uma homenagem à vida e legado de um dos maiores líderes da história contemporânea.
Nelson Rolihlahla Mandela era advogado e ganhou destaque na luta contra o Apartheid instalado na África do Sul. Seu empenho na construção de uma sociedade mais justa, com igualdade econômica, política e social é um exemplo deve ser divulgado e celebrado.
Como acontece com milhares de idealistas que não medem esforços em suas empreitadas, acabou condenado e passou 27 anos na prisão. Após liberto, foi eleito presidente daquele país. Em reconhecimento pela sua obra ganhou alguns prêmios, entre os quais, o Nobel da Paz. Já o Mandela Day é um tributo onde se celebra a igualdade entre as raças e etnias, a proteção aos direitos humanos, a integridade da humanidade e a resolução dos conflitos entre povos.
Madiba como era carinhosamente tratado pelo povo, era extremamente habilidoso com as palavras e seus discursos emocionavam e conquistavam as plateias. Durante sua posse, quando alguns esperavam revanchismo contra os brancos opressores, ele conclamou o povo para experimentar uma aliança para a construção de uma nova sociedade, uma “nação arco-íris”, onde todos teriam garantido o direito à dignidade humana. Seus ensinamentos estão vivos, presentes e necessários, especialmente quando o mundo atravessa uma crise global de saúde com consequências imprevisíveis.
Especialistas projetam impactos devastadores na economia e nas relação interpessoais até a retomada completa da produção, do desenvolvimento e da estabilização. Nos tempos do “novo normal”, além do esforço de todos, será necessário a altivez de grandes estadistas que liderem o processo de reconstrução. Para assumir o protagonismo necessário, os agentes públicos e políticos precisam compreender que a democracia envolve uma complexa relação, inclusive de convivência com as diferenças e com cidadãos com opiniões diversas e até contrárias.
Um vírus escancarou as limitações humanas e também a incompetência de determinadas autoridades em trabalhar de forma integrada em favor do bem comum. A falta de capacidade política e administrativa enfraqueceu a efetividade no combate à pandemia, ampliou a quantidade de infectados e mortos e agora observamos que muito sofrimento poderia ser evitado. Mas nem tudo está perdido, no processo de reconstrução da saúde, educação, indústria, comércio, prestação de serviços, enfim de todo arranjo produtivo, poderemos começar a fazer diferente e melhor. Mandela já ensinava que “a grandeza da vida não consiste em não cair nunca, mas em nos levantarmos cada vez que caímos”.
Após sepultar seus mortes e curar seus doentes, a humanidade voltará a crescer. Não será pela violência física, mas pela mudança política que retiraremos do cenário aqueles que fracassaram e encontraremos pessoas realmente preparadas e comprometidas, que saibam planejar e agir para proporcionar a equidade fundamental para construir cidades, estados e nações melhores para todos.
Voltando ao Dia de Mandela, como ação prática, nesta data, as pessoas são convidadas a dedicar parte de seu tempo aos que mais precisam, além de compartilhar a mensagem de solidariedade de Nelson Mandela através das redes sociais, com o uso da hashtag #mandeladay. Aliás, auxiliar aos mais necessitados e compartilhar boa práticas, são exercícios que deveriam ser cotidianos. Quem sabe assim teríamos um mundo ou ao menos uma cidade “arco-íris”.
Como será o amanhã?
No carnaval carioca de 1978, a União da Ilha do Governador foi quarta colocada com o enredo “O Amanhã”. O samba foi gravado no mesmo ano por Elizeth Cardoso (A Divina), mas realmente foi popularizado na voz de Simone em 1983. Mesmo quem não acreditava em ciganas, cartomantes ou jogo de búzios entoou os versos que falavam, ainda, de destino, malmequer, realejo e zodíaco. A grande pergunta era como será o amanhã? A resposta era “o meu destino será como Deus quiser”.
Nos momentos mais difíceis da história as sociedades buscam no divino a explicação e a solução para incertezas, preocupações, dores, perdas e mortes. Nesta pandemia não é diferente e observamos a eterna luta entre a ciência e a fé. Luta que parece infinita como a otura entre saúde e economia. Após uma análise livre de paixões perceberemos que todas são importantes, não precisam ser antagônicas e que podemos manter nossos credos e usar o conhecimento científico para encontrar a cura, tratamento ou vacina e gradativamente retomar as atividades com todas as cautelas sanitárias necessárias.
Diante das dificuldades financeiras encontradas por estados e municípios, caberia ao governo federal liderar a retomada do crescimento, porém os imbróglios políticos, jurídicos e ideológicos consomem precioso tempo e causam uma preocupante letargia. Os anunciados investimentos em obras de saneamento básico trazem alento, tanto pela almejada melhoria na qualidade de vida da população, quanto na geração de emprego e renda, mas precisamos mais. Ações estratégicas devem ser adotas em favor de setores como turismo, receptivo e prestação de serviços.
A ampliação do auxílio emergencial é essencial e o cidadão, especialmente o mais fragilizado, precisará mais do que nunca de medidas consistentes de redistribuição de renda. Da mesma forma, precisamos facilitar o acesso ao crédito com juros reduzidos para o pequeno e o médio empresário. Vários setores continuam reclamando que as medidas governamentais não chegaram, nem trouxeram resultados práticos, assim milhares de empresas seguem encerrando suas atividades.
A classe trabalhadora, por seu lado, além da busca por empregos já se preocupa com os formatos que eles terão. A flexibilização temporária de direitos poderá ser definitiva? O trabalho à distância chegou para ficar? Quantas profissões e postos de trabalho serão definitivamente extintos? O mar de incertezas parece não ter fim.
Pensar um país melhor para todos exige competência e capacidade de união e mobilização. Cansados de oportunistas, buscamos agora estadistas que estejam preparados para fazer o que precisa ser feito. Não sabemos como será o amanhã, mas provavelmente a pandemia não será eterna e a crise passará. Como sobrevier a este momento reduzindo danos e preparando o futuro é outra dúvida que nos consome. Vai chegando o amanhecer de um novo tempo e por garantia, além de muito esforço coletivo, sugiro a velha e boa receita da cautela, qual seja, joelho no chão, Deus no coração e rigor nas medidas de prevenção.
Botafogo e a goleada de cidadania
Domingo é dia de futebol, nossa paixão nacional. Ocorre que, em tempos de pandemia, as paixões devem ser refreadas e a prudência e os cuidados com a saúde e preservação da vida priorizados. Não foi assim que pensaram os dirigentes do futebol do Rio de Janeiro, que, apesar dos altos índices de contaminação e mortes, determinaram a volta dos jogos contrariando o conselho de autoridades sanitárias e o desejo de alguns clubes e vários atletas.
O glorioso Botafogo de Futebol e Regatas resolveu reiterar sua insatisfação de um modo muito criativo e consciente. Na partida contra a Cabofriense, a equipe de general Severiano entrou em campo ostentando uma faixa com os dizeres: “Protocolo bom é o que respeita vidas”. Logo aos dois minutos de partida todos seus jogadores se ajoelharam pelo fim do racismo. Do outro lado, os jogadores adversários permaneceram em pé, respeitosamente, com exceção do jovem Luan Santos que também ficou de joelhos e ao final esclareceu que aderiu a iniciativa por já ter sido vítima de racismo. “Fui chamado de macaco e nunca esqueci”, afirmou.
Além disso, na frente das camisas havia a frase “Vidas Negras Importam” e atrás, logo acima do número, a mensagem “Obrigado profissionais na linha de frente contra a COVID-19”. A torcida aderiu à campanha comprando centenas de uniformes, sendo que parte da renda será destinada à Educafro, uma ONG de combate ao racismo que luta por inclusão de negros nas universidades.
O triplo protesto foi pertinente e em sintonia com as manifestações mundiais por igualdade racial e com a preocupação mundial na busca pela redução dos danos causados pelo novo coronavírus. A demonstração de solidariedade aos profissionais de saúde que diuturnamente superam a falta de estrutura, recursos, equipamentos de proteção individual e insumos, enfrentando o potente vírus foi um ato envolvo por simbolismo. Já são 169 mortos e 83.118 infectados que, nos últimos dias, ainda tiveram hospitais invadidos e sofreram ameaças de pessoas que, com ações insanas e desnecessárias, expuseram suas vidas e as dos pacientes.
O protesto alvinegro alerta que futebol, saúde e economia precisam de gestão e planejamento. Também necessitam de líderes competentes e compromissados com a coletividade. É obvio que todos desejamos a retomada das atividades sociais e produtivas, mas com toda segurança. Sabemos, ainda que, superada a pandemia, não poderemos continuar desorganizados como antes. Será necessário implantar uma nova mentalidade, uma cultura, onde a pessoa seja a prioridade. Os anunciados investimentos em saneamento básico devem sair do papel e a rede pública de saúde precisa de financiamento vigoroso, pois fortalecendo o SUS garantimos mais saúde e preservamos vidas. Para superar a crise, a educação deverá experimentar alterações consideráveis e o setor produtivo buscar reestruturação para preservar as empresas, gerar mais emprego e renda sem sacrificar seus empregados.
O engajamento de artistas, atletas profissionais e lideranças dos mais variados setores é indispensável, já que as autoridades políticas não conseguiram, até agora, conduzir nosso país neste tempo de tanta dificuldade.
Quanto ao resultado da partida, no final o time da Estrela Solitária venceu por 6 a 2 e, mais do que um espetáculo de futebol, o clube onde desfilaram, Nilton Santos, Jairzinho, Didi, Gérson e Mané Garrincha(A Alegria do Povo), deu um show de consciência e uma goleada de cidadania.
O melhor de Ribeirão Preto é sua gente
Nossa cidade completou mais um aniversário e desta vez não tivemos exposições, concerto da Orquestra Sinfônica, show com a Esquadrilha da Fumaça, bolo ou festa. A culpa é das medidas de distanciamento social, mas muitos diriam que não existe qualquer motivo para comemorar e o problema não está apenas na pandemia e sim no clima de desânimo que já atingia a população local, mesmo antes da quarentena.
Vários cidadãos que reduziram a correria diária, acabaram com mais tempo para olhar melhor para a cidade e constatar que problemas levantados há quatro anos continuam presentes e que o Plano de Metas apresentado na última campanha eleitoral não foi efetivado. Basta analisar os itens governança, planejamento, desenvolvimento social e desenvolvimento econômico, para concluir que avançamos quase nada.
Da mesma forma que filhos, namorados e companheiros aguardam receber o presente prometido e tão sonhado, a população esperava receber a propagada implantação de três Ambulatórios Médicos Especializados (AMEs); três Unidades de Pronto Atendimento (UPA); criação de 4000 vagas em creches; execução da política de assistência social conforme padrões do Sistema Único de Assistência Social; ampliação do atendimento à população idosa; ampliação de programas de inclusão para população com deficiência; ampliação do atendimento da política habitacional; apoio e divulgação de projetos relacionados a cultura negra e outras não predominantes; reforma e manutenção de equipamentos e monumentos artísticos e culturais, entre tantos outras. Já desacorçoada, percebe poucas realizações e, ainda, questiona a oportunidade e conveniência das mesmas.
Semana de aniversário ou data comemorativa, não pode ser apenas de críticas, então vamos deixá-las e procurar os pontos positivos de nossa querida cidade. Você poderia citar alguns, eu também. Certamente concordaremos que o maior deles não é a choperia, o theatro, as universidades, o agronegócio ou o forte comércio. O melhor de Ribeirão Preto é seu povo! Os nascidos aqui, os que vieram de longe e escolheram nossa cidade para morar. Os barões do café, políticos, cientistas e empresários já tiveram seus nomes gravados em prédios, ruas e livros, mas existem os milhares de anônimos que madrugam, balançam nos ônibus lotados e emprestam suor, energia e saúde construindo a grande Capital do Interior. Esse povo de garra, vontade e determinação merece todas as homenagens e dias melhores.
Se a cidade eternizada por Luiz Vieira e magistralmente homenageada por Diva Tarlá e Saulo Ramos tem uma gente maravilhosa, é mais rica que a maioria das capitais e está entre as de maior Produto Interno Bruto (PIB), vale dizer que tem tudo para ser a cidade ideal, mas, para que isto ocorra, é fundamental melhorar a distribuição da riqueza, reduzir as desigualdades sociais e a implantar políticas públicas efetivas. Infelizmente os que ocupam temporariamente o poder não conseguiram atingir as metas e atender esses anseios da comunidade ribeirãopretana.
Considerando que aniversário é também momento especial para reflexão, renovação e mudança de rumos, façamos o indispensável exercício de verificar necessidades, levantar possibilidades e identificar quem terá capacidade e eficiência para superá-las.
Sem festa, bolo ou presente, resta a esperança de um pedido ou desejo. Sinceramente, desejo felicidades e tudo de melhor para nossa cidade e nossa gente. Parabéns Ribeirão Preto e parabéns povo Ribeirão-Pretano!
Uma nação não é feita apenas para os amigos.
O nosso povo aprecia provérbios. Muitos remontam a séculos passados e continuam sendo citados cotidianamente. Embora por vezes com forma ou sentido equivocados, tentam justificar de modo simples, determinados fatos, comportamentos ou circunstâncias. Um deles, apesar de bastante conhecido, traz certa polêmica quanto à autoria: “Aos amigos, tudo e aos inimigos, a lei!”. Dizem que foi escrito por Maquiavel, fundador do pensamento e da ciência política moderna, falecido em 1527, mesmo ano em que nosso país era um simples bebê, já deitado em berço esplendido, que passava a ser chamado de Brasil.
Acompanhando o noticiário político, econômico e policial dos últimos tempos certamente o cidadão mais atento perceberá como os seres humanos são hipócritas e possuem a desfaçatez de tentar interpretar os textos legais à sua conveniência. Não digo dentro do natural embate jurídico processual, mas nos diversos setores da vida em sociedade, onde diariamente se busca uma brecha, uma excludente, um jeitinho.
No futebol, antes do advento do árbitro de vídeo, presenciamos milhares de lances onde partidas foram decididas com gols ilegítimos, impedimentos não marcados, penalidades grotescas ou falhas escandalosas das equipes de arbitragem. Enquanto os prejudicados lamentavam, os beneficiados celebravam e ainda zombavam do ocorrido. Até que, na partida seguinte, seu time fosse prejudicado. Então o mesmo torcedor se tornava o mais ardente defensor de medidas para evitar os erros. Conhecemos pessoas que defendem a pena de morte, aumento de penas e a redução da maioridade penal, exceto quanto um filho ou neto se torna o réu por algum delito. Para livrar o querido herdeiro, são capazes de tudo. Existem, ainda, líderes religiosos que pregam a castidade e possuem filhos bastardos; puritanos que patrocinaram abortos clandestino e moralistas com tetos de cristal que não resistem ao primeiro pedrisco.
Temos assistido pessoas empunhando cartazes contra as cortes de justiça, contra a imprensa e contra todos os que manifestam pensamento diverso. Alguns pedem a volta da ditadura e do estado de exceção e, para piorar, fazem isso invocando o direito de expressão e o de liberdade garantidas apenas no estado democrático de direito. Observamos, também, pessoas semelhantes aos fanáticos torcedores de agremiações esportivas, com bandeiras de cores distintas reproduzindo frases e teorias absurdas e todas pretendem estar certas, especialmente quando o tema é direito. Grampear ou apreender telefones pode, desde de que seja do outro time. Condução coercitiva e abertura injustificada de inquérito pode, desde que não seja com os nossos. Vazamentos e informações privilegiadas, uso desproporcional da força, com outros pode. Para nossos amigos vale habeas corpus preventivo, foro privilegiado e quarta instância. Vale até negociação para cargos públicos, com pessoas de qualificação profissional limitada e caráter e honestidade duvidosos. Os inimigos de ontem, são os amigos de hoje, mas tudo em nome da governabilidade. Ocorre que política, economia e direito, embora com semelhanças ao futebol, não podem ser tratadas como tal. Não podemos tentar justificar o injustificável. Não dá para fechar os olhos às incoerências, às injustiças e as atrocidades praticadas, mesmo que os protagonistas sejam pessoas do nosso convívio, da nossa família, denominação religiosa ou agremiação política.
Nestes tempos de fake News e guerra de narrativas, é bom lembrar parte pouco divulgada do mais famoso texto do poeta brasileiro Eduardo Alves da Costa, que também era graduado em direito: “Olho ao redor e o que vejo e acabo por repetir são mentiras. Mal sabe a criança dizer mãe e a propaganda lhe destrói a consciência. A mim, quase me arrastam pela gola do paletó à porta do templo e me pedem que aguarde até que a Democracia se digne a aparecer no balcão”. Caríssimos, não podemos regredir ou renunciar aos avanços conquistados. Direito, democracia, cidadania, justiça e liberdade não são palavras quaisquer. São princípios basilares de nossa sociedade que não podem ser vilipendiados. Eles custaram o sacrifício de milhares e garantem o futuro e existência de milhões. O Brasil é de todos nós, pois uma nação não é feita apenas para os amigos.
Estou sem ar, mas vou resistir
O dia 25 de maio passa a ser uma das datas mais relevantes da história contemporânea na luta por direitos civis, igualdade social e fim do racismo. Ela marcar a morte de George Floyd que desencadeou uma série de protestos iniciadas nos Estados Unidos e alastrados por diversos países. O que muitos devem estar se perguntando é o real motivo de tamanha comoção.
Vale lembrar que os estadunidenses experimentaram uma guerra civil onde brancos sulistas derrotados, não aceitavam que os negros, recém-libertos, tivessem os mesmos direitos e ocupassem os mesmos espaços que eles. A consequência foi a implantação de políticas segregacionistas que perduraram por muito tempo e continuam incutidas na mente de várias pessoas, inclusive autoridades políticas e policiais.
Em terras brasileiras, esse tipo de violência também não é novidade, especialmente contra os negros, que desde 1888 esperam a implementação da liberdade, da igualdade e da justiça social tão faladas e pouco praticadas. Cotidianamente ocorrem agressões, humilhações e morte provadas em confrontos ou em situações inexplicáveis como o ocorrido com o garoto João Pedro. Nos dois países, além da dor da perda de familiares, a população convive com a manipulação de informações e a costumeira cultura de atribuir mortes a fatalidades, enganos, legítima defesa ou outras desculpas quaisquer.
Floyd representou milhões de pessoas que em todo planeta diariamente são massacradas e diminuídas em seus direitos e dignidade humana, notadamente os afrodescendentes que já não aguentam ouvir as expressões: Você não é confiável! Você não é belo! Seu cabelo não é bom! Você não é capaz! Você não consegue! Você não pode! Se antes a chibata cortava a carne, hoje as ofensas atacam a alma e a exclusão social sufoca. Por vezes chegamos a ficar sem ar, mas continuamos resistindo.
Diferente de Martin Luther King e Malcon-X que foram assinados por serem grandes lideranças, George Floyd tornou-se uma grande liderança por ser assassinado. O “bom gigante” não tinha discurso, nem bandeiras, queria apenas viver e ser feliz, materializava o que muitos já sabiam: que os negros são as maiores vítimas das forças policiais, estão morrendo mais na pandemia e perdendo mais empregos. Se no passado era possível mudar cenas, forjar provas e alterar narrativas, agora com as tecnologias de gravação e divulgação de imagens, a verdade começa a aflorar e a história a ser contada com mais fidelidade.
Diferente de outras tragédias que ganham manchetes em um dia e são esquecidas no outro, agora temos uma oportunidade real de promover mudanças efetivas, assim sua morte não seria em vão. A solidariedade dos não negros, principalmente jovens, expressa nos vários atos, passeatas, discursos e manifestações acendem uma chama de esperança de que os povos começam a literalmente exercer a empatia. Eles gritam, marcham, recebem bombas, cacetadas, tiros e até são presos, sentindo na pele, nos últimos dez dias, o que seus semelhantes sentiram nos últimos séculos .
Os manifestantes nos inspiram a sair da zona de conforto. Eles estão fazendo sua parte e nós? O que cada um de nós pode fazer? Postar uma mensagem de apoio, curtir ou compartilhar uma imagem na internet é legal, mas muito pouco. Não ser racista já é bem melhor, mas não é tudo. Ser antirracista é um avanço enorme. Adotar posturas objetivas para combate ao racismo, preconceito e discriminação é o ideal. No ambiente de trabalho, na escola, no lazer, no culto religioso, enfim, em todos os espaços de convivência, existem oportunidades objetivas de fazer a diferença, basta começar.
Temos, ainda, a oportunidade de exigir das autoridades constituídas no legislativo, executivo e judiciário; no congresso, nas assembleias legislativas e câmaras municipais; na presidência da república, nos governos estaduais e prefeituras, quais as ações concretas de políticas públicas de inclusão? Vamos fazer um exercício agora, olhando a realidade de nossa cidade. O que tem sido feito? Nada? Então é hora de mudança!
Da perplexidade à reflexão necessária
Nesta semana comemorou-se o Dia Mundial para a Diversidade Cultural para o Diálogo e o Desenvolvimento, uma data criada para cultivar a compreensão da importância da diversidade cultural e incentivar o respeito pelo outro. Respeito que está ausente das famílias, das escolas, das discussões cotidianas sobre os mais variados temas e especialmente quanto às opções políticas. Respeito que somente será possível a partir do conhecimento das diferenças entre os povos e grupos sociais e de um sincero exercício de empatia.
Uma ferramenta importante neste processo é o fomento às atividades culturais das mais variadas origens. No campo da cultura encontramos oportunidades de conciliar o tão desejado crescimento econômico com o necessário desenvolvimento social.
Durante muito tempo propagou-se que o Brasil era o país com maior diversidade racial e cultural. Talvez seja, mas a forma com que elas são valorizadas ou revertidas para todo o coletivo merece uma reflexão mais criteriosa. Exemplos nítidos são a falta de incentivo aos artistas e produtores culturais, a dificuldade de acesso do grande público e a recente desestruturação do Ministério da Cultura com sucessivas e desastrosas trocas na direção. Pior, ainda, é a indisfarçável tentativa de transformar o setor em palco para promoção política ou imposição ideológica.
A insana manifestação do presidente da Fundação Palmares, no dia 13 de maio é exemplo indelével disso. Tão preocupado em atacar Zumbi dos Palmares e o movimento negro, insiste em não enxergar a dura realidade dos descendentes dos escravizados africanos. Realidade escancarada na morte de João Pedro Matos Pinto, de 14 anos, assassinado em desastrosa operação policial realizada no Rio de Janeiro. João não é apenas um número na estatística do Mapa da Violência, o filho de Neilton e Rafaela era um ser humano que, além dos pais e da irmã, deixa toda uma comunidade enlutada e aflita.
O garoto sonhava fazer faculdade, ser advogado, ter uma vida melhor e trabalhar pelo direito do próximo. Direito que é diariamente suprimido dos que vivem nas periferias desse país. Tratar desse assunto gera o desconforto para muitas pessoas e a revolta para outras que tentam negar o que é inegável: o enorme abismo que nos separa.
Antes que alguém fale em vitimismo ou em problema de viés puramente econômico, lembramos da jovem aluna de escola particular que recebeu mensagens com humilhações e xingamentos encaminhados por rede social com ofensas quanto à raça negra e o gênero feminino. Trazer o tema para a discussão pode não ser simpático, mas é necessário.
Ao comentar o assunto a garota protestou: “Qualquer pessoa negra num ambiente cheio de brancos enfrenta o racismo diariamente. A gente olha as mensagens enviadas e pensa que é algo que se dizia 300, 400 anos atrás. Não devíamos estar vendo isso em 2020”.
Realmente não deveríamos ver racismo, preconceito, discriminação e não deveríamos ouvir discursos de ódio e intolerância. Em tempos de tanta pobreza espiritual e escassez de lideranças, vamos recorrer ao grande Nelson Mandela que, talvez inspirado por Francisco de Assis, certa feita afirmou: “Devemos promover a coragem onde há medo, promover o acordo onde existe conflito, e inspirar esperança onde há desespero.
A arte, a cultura e a educação auxiliam na transformação de realidades e na promoção do ser humano como protagonista de sua história. A caminhada é longa e a batalha parece árdua, mas necessária. Não é sobre viver do passado, é sobre garantir que exista um futuro. Terminando com Mandela, outro importante alerta: “Perdoem. Mas não esqueçam!”.
A verdade nua e crua
A galhofa da semana vai para a videoconferência com o presidente, onde um empresário foi flagrado tomando banho. Não, ele não deve ser condenado! Com o grande número de profissionais trabalhando em home office ficou comum a visualização de crianças fazendo estripulias, familiares de pijama e pets roubando a cena durante as intermináveis reuniões e aulas virtuais.
Priorizar seu banho matinal em relação à fala do presidente da república não foi um pecado. Mais ruborescidos ficaram seus colegas ao confessarem que, apesar da relevância do tema, mais uma vez o governo não apresentou medidas objetivas para superação da crise e novamente saíram sem saber como minimizar os impactos econômicos produzidos pela pandemia.
Depois de instigar os empresários contra o Supremo, o governo federal opta por acirrar a batalha de narrativas contra governadores e prefeitos em relação ao isolamento social e demais medidas apontadas como eficazes por especialistas de todo mundo. Novamente renuncia ao protagonismo na coordenação das ações de controle da pandemia e confunde a cadeira da presidência e o palanque.
Talvez alertado sobre eventuais consequências advindas de sua omissão, o presidente da República editou uma contestadíssima Medida Provisória interpretada como um salvo conduto para todos os agentes públicos, inclusive seus ministros, ficarem livres de responsabilização por atos que podem trazer danos à vida dos brasileiros.
A MP nasceu justamente quando a Controladoria-Geral da União analisa 400 denúncias de supostos desvios de verba pública no combate ao coronavírus e a Polícia Federal faz diversas ações em todo país, o número de mortos e contaminados continua aumentando. Nesta semana, depois de passar a França e a Alemanha, já somos o sexto na classificação de mais afetados pela doença.
Com todo esse cenário caótico, ainda existe espaço para o processo que apura as denúncias de Sérgio Moro ao sair do ministério da justiça. É imensa a expectativa em relação à divulgação integral do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, que poderá esclarecer as contradições entre as declarações do presidente Jair Bolsonaro e os depoimentos dos ministros militares à Polícia Federal.
O tal vídeo pode trazer, ainda, outras revelações importantes, pois dizem que a reunião do primeiro escalão da republica foi tensa, mas também com momentos de descontração onde autoridades expressaram seus mais íntimos sentimentos em relação ao legislativo e ao judiciário. A exposição pode deixar muitas pessoas desnudadas.
Voltando ao empresário peladão, em tempos de covid-19 é bom cuidar da higiene pessoal e tomar um bom banho traz inúmeros benefícios. Mas, falando sério, o momento político, econômico e social é grave e exige altivez e preparo.
Quanto ao povo? Continua preocupado com o desemprego, os boletos chegando, a perda de familiares e a falta de confiança nos que foram eleitos com o discurso da renovação e das novas práticas e que até agora apresentam mais do mesmo. Espera uma geração de políticos, empresários, gestores e profissionais de todos os setores, que deixem o compadrio, a retórica improdutiva e o populismo barato e assumam a postura de verdadeiros líderes, engajados na resolução dos problemas mais agudos. Quem sabe assim ficaremos livres dos vírus e de almas lavadas?
A Festa é nossa
As necessárias medidas de isolamento social impedem a realização de festas, assim não foi possível cortar bolos, cantar parabéns e celebrar efusivamente dois aniversários importantíssimos para nossa cultura. Primeiro o Jubileu de Pérola da Casa do Poeta e do Escritor de Ribeirão Preto – CPERP, depois o Jubileu de Porcelana da União dos Escritores Independentes de Ribeirão Preto – UEI. Expoentes da cultura local, ambas têm muito em comum, inclusive a mesma casa, a AMOR – Associação dos Militares e Oficias da Reserva, localizada na Rua Liberdade, n° 182.
No último dia 22 de abril a CPERP completou 30 anos. Nascida da iniciativa de três poetas idealistas, então sócios da AMOR: Capitão Rl Dr. Luiz de Oliveira Passos; Capitão Rl Dr. Othiniel Fabelino de Souza (Poeta Oefe Souza) e o professor e trovador Nilton Manoel de Andrade Teixeira, conforme seus estatutos foi fundada para se constituir em mais um espaço cultural, para receber, sem qualquer tipo de discriminação e sem qualquer ônus financeiro, todos aqueles que, possuidores de talento para as letras, notadamente poesias, possam ali desenvolver e exibir seus talentos.
Atualmente presidida por Maris Ester Souza, a entidade tem como lema “COR UNUM ET ANIMA UMA” (UM SÓ CORAÇAO E UMA SÓ ALMA). Talvez esse seja o segredo de sua profícua longevidade, pois consegue unir corações e almas de diferentes idades, honrando um de seus objetivos estatutários, o incentivo a todas as iniciativas originadas dos poderes público ou particulares, dirigidas no sentido da promoção e aprimoramento cultural.
Irmã caçula, a UEI foi fundada em 1º de maio de 2000 e, segundo um dos seus idealizadores, João Nery, era uma tarde de outono onde, apesar da chuva fina, um grupo de jovens poetas locais se juntava para exaltar a mais elevada das artes, a POESIA. Aquele encontro memorável era fruto das oficinas literárias promovidas no Projeto Grandes Empresas na Literatura, desenvolvido nos três últimos anos da década de 1990, pela Secretaria de Cultura de Ribeirão Preto, com a coordenação da poeta, historiadora e ativista cultural Cristiane Bezerra.
A entidade presidida por Helena Agostinho atua intensivamente revelando novos talentos, organizando saraus e publicando antologias. Ações como o Varal Cultural e a Poesia na Bandeja aproximam os escritores do grande público democratizando o acesso à cultura.
Atualmente as duas instituições estão realizando Saraus Literários Virtuais onde além da integração, resgatam a memória dos escritores que já partiram, mas deixaram abastoso legado cultural. Na quarentena a produção literária continua intensa e brevemente teremos vários lançamentos. Aliás, seus integrantes possuem inúmeras obras publicadas e no momento histórico que a humanidade atravessa, é necessário recordar a citação de Olavo Bilac, patrono da UEI “Os livros não matam a fome, não suprimem a miséria, não acabam com as desigualdades e com as injustiças do mundo, mas consolam as almas, e fazem-nos sonhar”. Os sonhos de alguns escritores possibilitaram que novas gerações também sonhassem. A mescla de sonhos tornou-se realidade fecunda, presente nas escolas, praças, bibliotecas, livrarias e espaços culturais em geral.
As pandemias dentro da pandemia
Durante o atual período de pandemia somos diariamente bombardeados por uma quantidade de dados estatísticos assustadores. Cansadas de ouvir falar de infectados e óbitos, algumas pessoas passaram a solicitar a divulgação do número de curados, uma forma de atenuar o impacto do triste e preocupante quadro.
Para os mais otimistas, esta página da história é fundamental para que os indivíduos alterem conceitos e mudem as atitudes, preparando novas pessoas para um novo tempo. Simultaneamente especialistas buscam compreender como ficarão o mundo corporativo e as relações entre povos e nações. É inegável que muita coisa está mudando e que o novo vírus é o tema mais importante do momento, mas um olhar atento aos noticiários pode escancarar outra realidade preocupante.
Até o início desta semana, o Ministério Público do Trabalho havia recebido 9.077 denúncias de violações trabalhistas relacionadas à disseminação do covid-19, segundo o órgão, entre as reclamações há registros de falta de proteção à saúde e à segurança do trabalhador, demissões em massa e também de fraudes em rescisões contratuais, sendo necessário emitir 6.163 recomendações para conscientizar diversos setores econômicos.
Segundo a Polícia Militar do estado de São Paulo, em comparação com março de 2019, o número de atendimentos a mulheres vítimas de violência aumentou 44,9%, chegando a 9.817. Estudos revelam que também no Acre, Pará, Rio Grande do Norte, Mato Grosso e Rio Grande do Sul houve aumento considerável nos registros de ameaças, lesões corporais decorrentes de violência doméstica, estupros e feminicídios.
Com a edição da Medida Provisória no 926/2020 o governo federal buscou maior flexibilidade e celeridade, nos processos de aquisição de materiais e serviços afrouxando algumas regras do regime geral de licitações. Logo surgiram as primeiras denúncias de indícios de fraude, colocando sob suspeita a lisura de ações contra o coronavírus em vários pontos do país.
A Federação Nacional dos Bancos alertou que golpistas ampliaram as ações para obtenção de dados, senhas e informações pessoais dos clientes, especialmente com o golpe do “falso motoboy”.
Após furtar os dados, entram em contato com as vítimas fingindo ser do banco e comunicando que, em virtude de transações suspeitas seu cartão deve ser substituído e que um motoboy irá recolher o cartão supostamente clonado. O resto você já imagina.
Segundo a grande mídia, depois de uma série de derrotas do governo no Congresso, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) passou a receber pessoalmente políticos do conhecido “centrão” e a negociar cargos federais com os chefes das legendas. A ação tenta reconstruir sua base de apoio na Câmara e no Senado, além de mirar a disputa para o comando das duas casas do Legislativo, no começo de 2021.
A pandemia do covid-19 escancarou as mazelas do sistema de saúde, a dependência tecnológica, o diminuto investimento em pesquisas científicas. Mostrou a solidariedade e a mesquinhez. Ocorre que muitos não perceberam que o Brasil e o mundo continuam vivendo pandemias que parecem esquecidas e incuráveis. Recortamos apenas cinco: as injustas relações trabalhistas, a violência doméstica, a corrupção na administração pública, a criminalidade em geral e a “nova velha política”. Para essas não existem vacinas, nem são necessários respiradouros, isolamento ou medidas profiláticas. A cura depende da consciência individual e da mobilização coletiva.
História, coincidências e consciência
Para os fãs de efemérides, o mês de abril é especial, pois começa com o dia da mentira e traz acontecimentos de repercussão sem igual. Como o inacreditável “Massacre de Manguinhos” quando, fundamentados no AI-5 e no AI-10, o regime militar cassou por dez anos, os direitos políticos e limitou a atuação profissional de renomados cientistas do Instituto Oswaldo Cruz, um grande retrocesso no desenvolvimento científico nacional.
Nos meus tempos de banco escolar comemorava-se com muito entusiasmo, o dia do Índio. Depois Baby do Brasil alertou que “agora eles só tem o dia 19 de abril” e, hoje, pouco mais de 800 mil pessoas divididas em 225 povos resistem aos ataques de garimpeiros, grileiros e outros pesadelos.
Falando em pesadelos, foi neste mês que terminou a guerra do Vietnã. Também foram registradas as mortes de dois líderes que assombraram a humanidade Benito Mussolini e Adolf Hitler.Anteriormente o mês marcava a morte de um político melhor, Benjamin Franklin, que também era abolicionista, diplomata, funcionário público, cientista, inventor e jornalista e assinou os três documentos mais importantes da criação dos Estados Unidos: a “Declaração da Independência”, o “Tratado de Paz” e a “Constituição”.
Abril marca para os católicos a morte de uma das maiores personalidades religiosas, políticas, culturais e morais do século 20, o polonês Karol Józef Wojtyła, Papa e agora São João Paulo II e para os espíritas o nascimento do mineiro Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier que, segundo consta, costumava ter em cima de sua cama uma placa com a frase: “Isso também passa”, que servia como lembrete de que momentos bons e momentos maus são passageiros.
Separando religião e ciência, não esqueçamos o físico Albert Einstein que entre seu legado criou a teoria da relatividade e ganhou o substantivo de gênio. Aliás, ele ousou escrever uma carta negando a existência de Deus e ficou famoso por frases muito pertinentes ao momento atual, entre as quais: “Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, em relação ao universo, ainda não tenho certeza absoluta”.
Foi em abril a chegada de Pedro Álvares Cabral com a esquadra portuguesa. As mortes de Tiradentes, líder da Inconfidência Mineira e de Tancredo Neves, além da primeira vez que coestaduano, Juscelino Kubitschek, propôs publicamente a mudança da Capital para o interior, fato que seria concretizado com a fundação de Brasília em 1960.
Não esqueçamos o dia Mundial em Memória das Vítimas de Acidentes de Trabalho, do dia do jornalista e dos dias Nacional da Educação e Mundial da Saúde. Falando em saúde, como será que a história registrará o quiproquó no Ministério em 2020? Poderemos celebrar um acerto ou lamentar um erro, mas certamente, quem perder familiares não terá qualquer motivo para comemorar.
O momento presente lembra um filme de Alfred Hitchcock, o britânico que era especialista em manipular os elementos de um filme e também um invejável marqueteiro. E para você que pensa que estou maluco em recordar esses fatos, não esqueça que foi em abril o nascimento do pai da psiquiatria, o médico francês Philipe Pinel, que deu o primeiro passou para mudar a vida de milhões de pessoas que eram torturadas, encarceradas e submetidas a tratamentos desumanos e levou a loucura a tornar-se uma questão médica vista como uma doença que poderia e deveria ser tratada.
É tempo de todos por um
No Brasil, 4 de abril é o Dia do Parkinsoniano, data escolhida para alertar sobre a doença descrita pela primeira vez em 1817 pelo médico inglês James Parkinson. Ela é neurológica, progressiva e não tem cura, atinge o sistema nervoso central e afeta a movimentação muscular. Geralmente se manifesta após os 60 anos de idade e uma das vítimas mais famosas foi o boxeador Muhammad Ali, falecido em 2016, aos 74 anos e que em entrevista disse: “(Deus) me deu a doença de Parkinson para mostrar que eu era um homem como os demais, que tinha fragilidades como todo mundo. É tudo o que sou: um homem”.
O discurso de que somos um país de jovens, gerou uma imperdoável negligencia e muitos não perceberam o aumento da expectativa de vida que, diante da falta de planejamento, gerou problemas como a insuficiência de leitos hospitalares, vagas em asilos e estrutura previdenciária. Idosos sofrem com doenças cardiovasculares: infarto, angina, insuficiência cardíaca. Também derrames, câncer, enfisema e bronquite crônica, diabetes, osteoporose, infecção urinária e pneumonia. Inúmeros anciãos vivem em situação econômica precária, privados do convívio familiar e são acometidos de transtornos psiquiátricos e depressivos.
Atualmente o mundo passou a ter maior atenção com os anosos, primeiras vítimas da pandemia. Em um obrigatório exercício de empatia, filhos e netos agora descobriram o que ficar confinado, muitas vezes sem qualquer contato o mundo exterior, vendo a vida através da televisão ou da janela do quarto.
Na internet circulam textos que falam sobre o momento atual, onde grande parte da humanidade é obrigada a ficar em casa, lendo, ouvindo, descansando, brincando e aprendendo novas maneiras de ser. O isolamento social de um quinto da população global, cerca de 1,7 bilhão de pessoas, é encarado como uma oportunidade de cura interior, exterior e coletiva que resultará em novas escolhas. Ficaremos melhores ou piores do que somos?
Enquanto uma rede de solidariedade se organiza mundialmente para socorrer os mais fragilizados, ainda existem pessoas estocando mantimentos, álcool e máscaras que faltam aos demais. Não aprenderam que dependemos uns dos outros. Também existe a turminha que dissemina notícias falsas e os tresloucados praticando batalhas e divisões políticas em momento totalmente inadequado.
Provavelmente venceremos o Covid-19, mas novos vírus virão e a forma de vencê-los é com ciência, tecnologia e a consciência de que, como ensinou Ali, somos apenas homens, cada qual com suas fragilidades, dependemos uns dos outros e precisamos nos unir. Cuidemos dos parkinsonianos, autistas, deficientes e todos que necessitam. Chega de “cada um por si”, é tempo do velho “um por todos e todos por um”.
Chega de Palhaçada
Dia 27 de março é o dia do circo, em homenagem ao palhaço Piolim, Abelardo Pinto, nascido em Ribeirão Preto no ano de 1897. Piolim era engajado com os movimentos artísticos e culturais e divulgava a arte como forma de expressão cultural. Os festejos deste ano foram cancelados em virtude da pandemia de covid-19.
Dizem que a missão do palhaço é fazer sorrir, mesmo quando seu coração chora. Os palhaços da alegria são exemplo claro de engajamento social e solidariedade às pessoas submetidas a tratamentos médicos e hospitalares.
De modo pejorativo, são chamados de palhaços, os indivíduos bobos, sem noção, que precisam chamar a atenção para aquilo que fazem, mesmo que seja um perfeito disparate. Depois que o país elegeu um palhaço como o parlamentar mais votado do congresso, imaginava-se que o bordão “pior que está não fica” seria uma profecia incontestável. Ocorre que lamentavelmente a situação piorou em vários sentidos e justamente quando o mundo enfrenta uma pandemia em saúde.
A videoconferência entre o presidente da república e os governadores de sudeste mostra a dificuldade de discernimento e desprendimento dos homens públicos que, costumeiramente, colocam interesses pessoais e vaidade acima das necessidades da nação. Para piorar, a tragicômica discussão se estendeu pelas redes sociais movimentando os milhões de fanáticos que insistem em negar ou amenizar um problema que reconhecidamente existe.
No mesmo dia, o pastor que chamou o novo coronavírus de “histeria coletiva” e compartilhou informações falsas sobre o assunto morreu com a doença nos EUA. Mas lá ocorreu algo interessante, depois de intitular o codiv-19 de “vírus chinês”, o presidente conseguiu acordo com os senadores para injetar mais de US$ 2 trilhões na economia, com medidas que incluem transferência de renda para famílias e aumento dos benefícios para desempregados, além de enviar carta solicitando ao povo que faça o distanciamento social.
Nesta semana os estadunidenses assumiram a liderança do trágico ranking de casos de coronavírus, segundo sites de monitoramento em tempo real, chegando ao número de 81.896 diagnósticos positivos de COVID-19, ultrapassando China (81.285) e Itália (80.539). Lá já foram registradas 1.176 mortes. O maior problema é que, diferente dos dois citados países onde os casos estavam concentrados, diversas regiões do país foram afetadas.
Diante da gravidade da situação e depois da troca de farpas, os presidentes da China e dos EUA, demonstraram a altivez que o cargo exige e mantiveram contatos telefônicos, compartilharam informações, colocaram profissionais de saúde para interagirem e o americano tuitou “Estamos trabalhando juntos. Muito respeito!”.
No Brasil surgiu mais uma divisão, agora entre os que pensam priorizar a vida das pessoas e os que pretendem priorizar a economia. Argumentos não faltam para os dois lados. Os primeiros lembram que, no último século, superamos a Grande Depressão de 1929, a Crise das Dívidas dos Países Latinos em 1980, a Bolha Imobiliária do Japão em 1985, a Crise dos Mercados Emergentes de 1994 e a Crise Mundial do Subprime de 2008. O outro lado contra-ataca lembrando que tuberculose, varíola, gripe espanhola, febre amarela, malária, ebola, AIDS e H1N1 não acabaram com o mundo.
Mas existe um tipo de brasileiro que, alheio à briga, acredita que toda vida é importante. Ele para, pensa e busca construir alternativas para evitar mortes e reduzir os impactos econômicos. Esses merecem vez e voz. Fazer parte dessa turma, talvez não seja fácil e pode custar algum sacrifício, mas são eles que conseguirão fazer a grande mudança que esperamos.
Unindo ciência, tecnologia, fé e humanidade, além de adotar todas as medidas de prevenção, poderemos enfrentar esta página triste da história. Só não podemos é fazer plateia e para aqueles palhaços que apenas querem ver o circo pegar fogo.
Covid-19 x 0 Sensibilidade
O Messias original era especialista em parábolas e utilizava alegorias, comparações e analogias para explicar verdades complexas de uma forma simples. Assim sua mensagem foi propagada pelos tempos, chegando a todos e especialmente aos mais humildes. Muitas pessoas recorrem a esses recursos que, quando bem empregados, facilitam a compreensão. Ocorre que o uso inadequado pode ser desastroso e coisas banais passam a parecer complicadas.
Na estranha entrevista coletiva desta semana, foram observados vários deslizes. Além da inabilidade na utilização de uma simples máscara facial, o presidente da República novamente irritou-se com jornalistas e com dificuldades em assumir que errou ao subestimar o vírus que já atacou 22 pessoas de sua comitiva aos EUA, tentou se comparar a um técnico de futebol. Em imodesta apologia ao seu trabalho, afirmou ter escalado um time ministerial tão competente com jamais existiu ou provavelmente existirá.
Já que os campeonatos estão parados, vamos seguir sua linha de raciocínio e olhar seu ministério como um time. Ali encontraremos alguns jogadores famosos, feito o ex-juiz, elevado ao status de super-herói, o primeiro astronauta e o economista consagrado. Também tem “pernas de pau” no meio ambiente e na educação e outros que sequer são notados. Decorridos mais de um quarto de campeonato, os indicadores econômicos e sociais continuam desfavoráveis, apontando que o time apresenta um desempenho tímido diante de tanta expectativa.
Então no meio da crise o país conheceu o ministro que joga em uma das posições mais exigidas: o ministério da saúde. Seu desempenho profissional foi tão positivo que recebeu elogios de vários setores, mas despertou o ciúme interno, pois estaria ofuscando o treinador. Foi orientado a politizar as ações, até então eminentemente técnicas, sendo aconselhado a fazer discursos de propaganda do governo, passando a jogar fora de posição.
No papel o time é bom, lembra o querido Cruzeiro Esporte Clube que começou o ano passado com tantas expectativas de conquistas e acabou rebaixado para a segunda divisão. Culpa do time ou do treinador? Ao criticar a imprensa e conclamar seus apoiadores a baterem panelas, para contrapor aos paneleiros que protestavam, lembrou aqueles técnicos de equipes limitadas, que reclamam do gramado, da bola, da arbitragem e esperam que a torcida ganhe o jogo para eles. Na Taça das Panelas já perdeu o jogo de ida.
Para complicar, o filho que gosta de dar pitacos na escalação e no esquema tático, entrou em campo para agredir o governo chinês gerando um inoportuno desconforto diplomático. A entrevista, o ataque indevido a grupos e nações e a convocação de manifestações que ignoraram protocolos de saúde, apontam que o time está totalmente desentrosado e com um comando sofrível.
Enquanto outros governantes, profissionais de saúde e cientistas buscam soluções epidemiológicas e as populações tentam se ajustar à nova realidade, o técnico brasileiro parece necessitar da criação de novos inimigos e a geração de fatos polêmicos para desviar a atenção dos problemas reais. A visão é distorcida e a capacidade de análise simplória e equivocada. A ameaça do novo coronavírus continua real, basta observar a Itália.
O Brasil e o mundo precisam de união de esforços e de solidariedade. A epidemia do covid-19 está impactando as economias globais, aumentando o desemprego, desestruturando famílias e ceifando milhares de vidas. Para um vírus não importa a nacionalidade, a opção ideológica ou religiosa, mas para alguns políticos parece que sim.
Governar não é uma brincadeira, não é uma simples partida. Comandar um país não é dirigir uma equipe de futebol. É mais complexo, exige preparo, equilíbrio, responsabilidade, especialmente em momentos de crise como a experimentada nos últimos dias. Precisamos de um líder efetivo e inspirador. Sem competência, equilíbrio e sensibilidade, corremos o risco de também perder de goleada.
O poeta e a sororidade
Até o ano de 2015, celebrávamos em 14 de abril o dia da poesia. A escolha da data era uma homenagem a Castro Alves o “poeta dos escravos”, autor do famoso texto “O Navio Negreiro”. Ele partiu cedo com apenas 24 anos, mas deixou cunhadas algumas frases que impactam até nos dias atuais, como por exemplo, “a poesia deve ser o arauto da liberdade – esse verbo na redenção moderna – e o brado ardente contra os usurpadores dos direitos do povo.”
Fico imaginando como “o poeta da liberdade” escreveria sobre nossa realidade. Como trataria as mazelas da educação, segurança e saúde. Quantas poesias dedicaria aos congressistas e como trataria da polarização política que o país atravessa. Será que ele dedicaria seu tempo a falar sobre o novo vírus, a queda da bolsa, a alta do dólar e os imbróglios do petróleo?
E na semana da mulher? Será que ele dedicaria seus textos para exaltar a beleza e as virtudes femininas, como fizeram escritores profissionais e amadores em todo mundo? Provavelmente, antes de mais nada, ele pesquisaria os jornais para obter maiores informações sobre a realidade, especialmente a violência. Sim, violência! Enquanto alguns homens ofereciam flores, chocolates, jantares e presentes, outros continuavam ceifando as vidas das mulheres, principalmente das companheiras.
No próprio dia 08 de março, Tais de 34 anos foi encontrada morta em Campinas com sinais de asfixia ou estrangulamento. No dia seguinte o corpo de Ana Talita foi encontrado em Rio Claro com duas marcas de tiros no pescoço. Na mesma segunda-feira, Patrícia de 40 anos foi encontrada morta dentro de uma geladeira em Recife. Terça-feira, Lidia de 23 anos foi encontrada em Barueri, morta provavelmente por espancamento. Após uma briga de casal, na quarta-feira, Erlane foi baleada na cabeça. Simone de 29 anos foi encontrada morta acorrentada a peças de carro no fundo de um rio, na quarta-feira em Xanxerê. Na quinta em Alta Floresta, facadas tiraram a vida de Celina, de 33 anos, morta no meio da rua. Nesta sexta-feira, 13, Joice foi alvejada em via pública em Salvador.
Para nós são notícias que às vezes passam desapercebidas e, em outras, são o prato preferido dos programas sensacionalistas. Acostumado com as atrocidades provocadas no período da escravidão, o poeta certamente questionaria como nossa sociedade pode conviver com tamanha brutalidade contra as mulheres. Será que não evoluíram?
Munido de papel e caneta ele buscaria compreender o que é a tal sororidade. A união entre as mulheres, presentes nas redes de apoio, quando se oferece amparo a outras mulheres em situação de abuso e violência física e psicológica; na garantia de voz às que foram silenciadas; na divulgação e apoio ao trabalho das outras e na empatia recíproca. Também aprofundaria nos debates sobre feminismo e machismo, que não são opostos, já que o machismo é a construção social que promove e justifica atos de agressão e opressão contra as mulheres, enquanto o feminismo é o movimento social que luta contra as manifestações do machismo na sociedade.
Tenho certeza que nosso poeta escreveria um texto inspirador para motivar as mulheres e aplacar a raiva primitiva dos homens que, ainda, se sentem donos das namoradas, noivas ou esposas.
Polêmicas à parte, nesta semana da mulher, algumas esperam uma poesia, outras um carinho, muitas a igualdade de oportunidades, mas certamente a grande maioria anseia pelo direito à vida em plenitude. Como recentemente escreveram, a mulher já não deseja receber flores, ela quer plantar o jardim, quer conquistar a floresta, quer ter seu lugar de protagonismo no mundo e na história.
O silêncio mortal
Algumas sociedades estigmatizaram determinados assuntos, principalmente na área da saúde. Em um misto de crendice e ignorância, durante anos difundiram a ideia de que algumas doenças não deveriam ser comentadas. Um exemplo claro é o câncer que era tratado por muitos como “aquela doença” e, além do medo, era motivo de vergonha e sensação de culpa. Evoluímos e atualmente são realizadas maciças campanhas de esclarecimento sobre prevenção e combate.
O tema suicídio é constrangedor. Abordá-lo pode soar como desrespeito a quem se matou e a sua família. Para amenizar, constantemente usamos expressões como “tirar a própria vida” e equivocadamente buscamos culpados ou soluções fáceis para algo tão complexo. A campanha setembro amarelo busca jogar luz na discussão, mas não pode ser exclusividade de um mês.
O fato de um grande centro de compras ser cenário de diversos casos, dois na mesma semana, foi amplamente explorado. Mesmo necessária, a opção por cobrar medidas de segurança no local não pode ser o centro do debate. O problema é muito maior e temos uma objetiva sinalização de que nosso povo está precisando de ajuda e o grito de socorro silencioso e impactante do suicida não pode ser banalizado.
Nossa população, especialmente a mais jovem, enfrenta um elevado grau de exigência, julgamento e cobrança, fomentado de modo avassalador pelas mídias sociais. A necessidade de ampliar o número de seguidores, agradar, ser belo e vencedor, consome não só o tempo, mas especialmente a alma. Curtir, compartilhar e agora “lacrar” parece mais necessário do que comer, passear e viver. A modernidade nos conectou com o mundo, mas nos afastou do próximo e a sensação de solidão é cada vez maior.
Não existem soluções mágicas ou simplistas, mas algumas reflexões e movimentos parecem importantes. O primeiro é quanto às relações familiares e a forma que preparamos nossas crianças e adolescentes para os desafios que enfrentarão durante a toda vida. O segundo é o envolvimento dos setores da sociedade civil como empresas, escolas e serviços de saúde como apoiadores e não fomentadores de mais exclusão. O terceiro é a participação dos governantes na implementação de políticas públicas eficazes de prevenção e acolhimento.
O Brasil conta com a recente Lei nº 13.819/2019 que institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio que objetiva a promoção da saúde mental e a prevenção à violência autoprovocada. Uma das metas é a garantia de acesso à atenção psicossocial das pessoas em sofrimento psíquico agudo ou crônico, especialmente daquelas com histórico de ideação suicida, automutilações e tentativa de suicídio. Então surgem algumas questões. As redes SUS e privada estão preparadas? Temos serviços, vagas e profissionais suficientes?
A legislação determina que os estabelecimentos de ensino e saúde públicos e privados deverão informar e treinar seus profissionais quanto aos procedimentos de notificação de tendências suicidas, mais do que isso é fundamental a articulação intersetorial, envolvendo ainda a imprensa, polícia, e até as instituições confessionais.
Cada indivíduo tem papel preponderante, dedicando parte de seu tempo à prática da autoavaliação emocional e ao olhar atendo ao familiar, colega de escola ou trabalho que emite sinais, muitas vezes sofre em silêncio ou pede socorro através de expressões do tipo: “logo vocês vão se livrar de mim” ou “eu vou sumir”. Finalmente resistindo à tentação de compartilhar imagens ou vídeos de casos ocorridos que são comprovadamente gatilhos para quem está pensando em suicídio.
Carnaval, muito além da folia
Aprendi com minha mãe, dona Luzia, a gostar de desfiles de carnaval. Passava horas assistindo às transmissões na televisão, mas tinha um especial fascínio em acompanhar pessoalmente na rua General Osório, Esplanada do Theatro Pedro II, Avenida da Saudade, Avenida Costa e Silva, Avenida Orestes Lopes de Camargo, Avenida Eduardo D’ Andréa Matarazzo, Avenida Mogiana e até em Bonfim Paulista.
Aos poucos fui conhecendo as escolas, sua gente e o sentido do carnaval, que vai muito além da folia. Se a memória não falhar, nosso município já contou com Bambas, Meninos e Meninas Lá de Casa, Aliados, Acadêmicos do Jardim Paulista, Embaixadores dos Campos Elíseos, Academia de Samba do Ipiranga, Mocidade Independente da Vila Tibério, Chuva de Prata, Palmeirinha e Rosas de Ouro, Tradição do Ipiranga, Camisa 12 Corinthiana, Acadêmicos do Sudeste e Camisa Verde e Rosa, Camisa Preta e Branca, Unidos da Villa e Acadêmicos de Bonfim. Por interesses diversos, as escolas foram desprestigiadas e o orçamento público gradativamente reduzido, até que conseguiram sepultar o maior espetáculo popular da cidade. Atualmente, entre as poucas opções, temos os blocos, afoxés e maracatus no cotidiano exercício de resistência.
Conhecido como festa da orgia para alguns, momento de extravasamento para outros e, ultimamente, até oportunidade para retiro espiritual, o carnaval tem algumas facetas pouco destacadas e certamente mais importantes: a crítica social e o resgate histórico. Em São Paulo, como exemplo, com o luxo das Escolas e a irreverência dos Blocos ocorreram homenagens a personalidades negras que ajudaram a construir a história do país, manifestações políticas contrárias ao governo federal, defesa da diversidade religiosa e do empoderamento feminino.
Quem prestigiou a transmissão dos desfiles e apuração da Capital, observou o primeiro título do Grêmio Recreativo Cultural Social Escola de Samba Águia de Ouro. Fundada em 1976, na Pompéia, a escola tem uma proximidade conosco, pois em 2010 prestou linda homenagem com o enredo: ”Ribeirão Preto – Região à Frente do Seu Tempo: Da Abolição ao Agronegócio, Terra de Liberdade e Riqueza!”. Naquele ano a escola ficou na décima primeira colocação.
Para escrever seu nome definitivamente na história do Carnaval, a Águia de Ouro trouxe o enredo: “O Poder do Saber – Se saber é poder… Quem sabe faz a hora, não espera acontecer” e nos convidou para uma viagem pela história do conhecimento, dos dinossauros a bomba atômica de Hiroshima e Nagasaki. Sobre a bomba é necessário recordar o que predisse Albert Einstein: “O problema do homem não está na bomba atômica, mas no seu coração”. Falando em coração, uma das alegorias trazia bela homenagem ao educador Paulo Freire, cultuado por milhões e ultimamente tão atacado. É dele a frase: “não se pode falar de educação sem amor. Ao final do desfile a escola lembrou que as tecnologias digitais e robóticas, se bem utilizadas, podem proporcionar um futuro de prosperidade e respeito ao meio ambiente.
Mesmo com a insistência de foliões mais empolgados, que esticarão o carnaval até o próximo domingo, oficialmente a festa terminou e vamos retomar a rotina. É tempo de encarar o leão do imposto de renda, a dengue, o novo coronavírus e os demais desafios cotidianos que a vida moderna impõe, mas as boas lições momescas devem permanecer e a frase eternizada por Geraldo Vandré e parafraseada pela Águia de Ouro: “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”, soa como convocação para homens e mulheres que continuam em silêncio diante do cenário atual. É preciso crer que educação, justiça e igualdade, são possibilidades e agir para não se tornem apenas fantasias de carnaval.
Precisamos socorrer o gigante
Historicamente a saúde está relacionada entre as principais preocupações da população brasileira e o SUS (maior sistema de saúde pública do planeta), cotidianamente luta para superar suas deficiências, entre as quais a falta de financiamento e número reduzido de profissionais e leitos, o que compromete o acesso.
Ribeirão Preto tem vocação para a área de saúde e, além de uma ampla rede instalada, é centro de excelência na formação nos mais variados níveis e carreiras. Esta tradição foi consolidada com a construção do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, popularmente chamado de HC.
Quem teve a oportunidade de circular pelos estacionamentos do Campus USP, já observou a quantidade de ônibus, vans e carros com placas de incontáveis municípios de São Paulo, Minas Gerais e de diversas unidades da federação. Moradores locais reclamam que não conseguem acesso, pois a maioria das vagas é destinada para pacientes de fora, não entendem a vocação de unidade de alta complexidade que deve acolher os casos que não são ofertados em cidades menores.
A quantidade de pacientes oriundos de outras localidades é tão grande que no início de 2013 foi iniciada uma campanha para construção de uma unidade do restaurante popular “Bom Prato” na área do hospital. Entre promessas eleitorais, projetos e anúncios, já se foram seis anos e nada.
Apesar de receber críticas, o hospital é amado e respeitado, sendo que, entre as pessoas mais simples algumas frases ficaram famosas como: “Se ninguém resolve, manda para o HC” ou “Lá demora muito, mas eles examinam da cabeça aos pés”. A fama foi alcançada pelos servidores da linha de frente da assistência e pelos que estão na retaguarda em pesquisa, diagnóstico e desenvolvimento de terapias inovadoras.
Gigante, com quase seis mil funcionários, o Hospital das Clínicas é uma verdadeira cidade (no Brasil 1.253 municípios possuem menos de 5.000 habitantes) e segundo dados oficiais, somente no primeiro semestre do ano passado realizou mais de 1,5 milhão de procedimentos. Foram 16 mil cirurgias, 4,7 mil transplantes e 19,7 mil internações. Números expressivos, que poderiam ser maiores se existisse vontade política. Prova é a denúncia apresentada por servidores da instituição alertando sobre a eminência da perda de até cem leitos e consequentemente a redução na quantidade de cirurgias, tudo por falta de pessoal. Oficialmente a demanda atual é de 300 profissionais, notadamente nas áreas de enfermagem e anestesia, mas é sabido que nos últimos cinco anos ocorreu a redução em cerca de dois mil profissionais.
Se de um lado as demissões e aposentadorias não estão sendo repostas, de outro a necessidade de atendimento somente aumenta, especialmente por cirurgias. O procedimento cirúrgico contempla etapas: consultas, exames, pré-operatório, o procedimento em si e o pós-operatório, envolvendo uma equipe multidisciplinar. Quando faltam alguns elos, a engrenagem não funciona e na saúde, um funcionamento inadequado significa dor, sofrimento, sequelas e até mortes.
Acostumada com as falsas promessas, a população parece passiva, mas é necessário fazer algo, mobilizar-se, cobrar os responsáveis, enfim, socorrer o gigante adoecido, para que retome com vigor sua missão de desenvolver e praticar assistência, ensino e pesquisa em saúde, através da busca permanente da excelência, tudo pela melhoria da qualidade de vida da nossa gente.
Kobe, coronavírus e enchentes
Os fãs de basquete ficaram arrasados com a trágica morte de Kobe Bryant. Ícone do esporte, na infância era um dos piores jogadores do time, mas com esforço, foco e determinação, transformou-se em superatleta referência para milhões de pessoas. Ele ensinou que todos podem superar os próprios limites. Seu sucesso extrapolou as quadras, chegando aos negócios e, segundo a Forbes, sua fortuna era de US$ 600 milhões. Junto com a esposa, mantinha uma organização não-governamental de auxílio as famílias carentes, especialmente crianças, nos Estados Unidos e no mundo, onde a base é educação, esporte e cultura.
Kobe recebeu homenagens de atletas de várias modalidades. O Bahia aliou a memória do astro com sua campanha contra a homofobia e na terça-feira, o volante Flávio, jogou vestindo a camisa 24. Historicamente equipes brasileiras de futebol masculino descartam o número que representa o veado no jogo do bicho, animal maliciosamente associado à homossexualidade. Os baianos realizaram uma ação simples, porém audaciosa, de um clube que desde 2018 está mobilizado na luta contra preconceitos como o racismo e o machismo.
Da China ressurgiu coronavírus integrante de uma vasta família viral, que provoca infecções respiratórias em animais e seres humanos, conhecida desde meados dos anos 1960. A epidemia já contaminou milhares de pessoas com dezenas de mortes e merece a atenção de todos. A preocupação mundial vai além das vidas expostas e chega ao impacto financeiro nas bolsas. Entre notícias falsas e discursos estereotipados sobre o modo de vida chinês, algo chamou atenção: a construção de um hospital em dez dias. Fato inimaginável para os brasileiros que cotidianamente precisam de acesso à saúde e observam a injustificada morosidade de governos, até para entregar Unidades e UPAs que estão prontas há anos.
Difícil também explicar as inundações e o rastro de destruição deixado pelas chuvas torrenciais em Minas Gerais e São Paulo. A opção mais fácil é culpar a natureza, a mais digna é denunciar a inércia das autoridades em garantir acesso à moradia e ao espaço urbano, também a falta de planejamento e qualidade nas obras de infraestrutura urbana. Além de ampliar os programas de moradia popular, é necessário identificar as áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos, inundações e instabilidade geológica e evitar sua ocupação. Também limpar os bueiros, construir piscinões, pisos permeáveis e cumprir os Planos de Drenagem Urbana.
Kobe, coronavírus e enchentes mostram que existem tragédias imprevisíveis e outras anunciadas e que de todas podemos extrair lições. Certamente o impacto das notícias provoca comoção e lágrimas, mas também precisa trazer a consciência da necessidade de mudanças comportamentais e atitudes concretas tanto do cidadão comum quanto daquele revestido de encargo público.
As contradições do Natal
O Especial de Natal do Portas dos Fundos, A Primeira Tentação de Cristo, movimentou as redes sociais e uma petição com mais de dois milhões de assinaturas pede a sua exclusão pela Netflix Brasil que, por sua vez, renovou o contrato da produção que bateu recordes de acessos através do streaming. A polêmica serviu para muitos lembrarem de Jesus, pois curiosamente, na data estipulada para celebrar seu aniversário, ele passou a ser coadjuvante e Papai Noel o protagonista.
Apresentamos uma reflexão: o que a sociedade realmente deseja? O Bom Velhinho com seus presentes ou o Bom Pastor com suas renúncias? Desde de crianças somos condicionados a crer que diante de um bom comportamento e boas notas escolares, anualmente um cidadão vai sair do Polo Norte para atender nossos desejos consumistas. Algo bem mais fácil do que seguir os dez mandamentos apresentados por Moisés e resumidas por Cristo em amar a Deus com todo o coração, alma e mente e ao próximo como a si mesmo.
O Messias tinha uma agenda objetiva e deixou claro sua missão: “eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância”. Sempre alertava para nos preocuparmos com as coisas que não passam, mas fez importantes ações no cotidiano do povo. Emanuel experimentou de perto todas as dores que as pessoas comuns sentiam, inclusive a sensação de abandono das milhares de crianças que nascem sem assistência médica e dos imigrantes que não encontram moradia.
Ele esteve ao lado e amparou os miseráveis e excluídos da sociedade. Se seus exemplos fossem minimamente seguidos teríamos assistência social para os que perambulam pelas ruas clamando por uma moeda e saúde para os milhões que diariamente peregrinam nas portas dos hospitais.
O Príncipe da Paz enfrentou o preconceito e a intolerância, foi desprezado em sua própria terra, conheceu o ódio das autoridades, a violência das forças de segurança e a manipulação do sistema jurídico, sendo julgado e condenado ao arrepio da lei, fatos que continuam ocorrendo até os dias de hoje.
A linda história de Jesus tem sido romantizada e seu sacrifício não recebe o devido valor. Os pinheiros iluminados são mais interessantes que os presépios. É muito difícil abandonar o trenó cheio de presentes e carregar a pesada cruz :“Porque a mensagem da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos salvos, é o poder de Deus.” 1. Coríntios 1:18.
Mudar não é fácil, mergulhar nas ações compensatórias do Natal é. Desta forma o patrão explorador dá um panetone ao empregado; o marido agressor dá uma caixa de bombom; o sonegador de impostos dá uma oferta maior na igreja; o traficante patrocina um almoço comunitário; a socialite doa algumas roupas inservíveis e o político distribui bolas e bonecas de plástico como se fossem sacrifícios em expiação dos pecados cotidianos. Passado o Natal, todos continuam com suas rotinas.
As tentações que Jesus superou no deserto estão presentes atualmente: os prazeres da carne, a soberba e a busca do caminho mais fácil. Alguns deuses estão sendo apresentados como alternativa mais agradável. Sua resposta foi enfática: “Retire-se, Satanás! Pois está escrito: ‘Adore o Senhor, o seu Deus e só a ele preste culto’” (Mateus 4:10, Deuteronômio 6:13).
Jesus é o rosto divino do homem e rosto humano de Deus. Celebrar o Natal é buscar compreender e verdadeiramente viver seu legado, exercitando o amor, respeito e tolerância.
A consciência nossa de cada dia
Caro leitor, vou contar com sua complacência para dedicar parte de seu precioso tempo em mais uma reflexão. Falar sobre o mês da consciência, mais do que uma necessidade é minha obrigação. E não falo apenas em causa própria, trago comigo uma multidão. Cansada da intolerância e da discriminação.
Desde quando o movimento negro passou a comemorar o dia de 20 de novembro, algumas vozes insistem em transformar a data em tormento. Ficam muito incomodados pregando que preconceito não existe. Estão cegos e não enxergam que o racismo e a discriminação ainda persistem. Falam em consciência humana e que todos são iguais, mas esquecem de que só nesta semana tivemos dezenas de casos, no Brasil e internacionais.
Começou com Taison e Dentinho no Campeonato Ucraniano, passou por dois torcedores do Galo Atleticano. Até o porta-voz do MBL foi acusado de agredir uma cozinheira e a empresa de terceirização não quer “gorda, nem negra” em suas fileiras. Um ou outro caso isolado, você poderia dizer. Mas olhe bem ao seu lado, preste atenção para compreender, na fila do desemprego, no salário reduzido, bala perdida, no barraco da favela, do jovem assassinado… É possível não ver? 131 anos se passaram e muita coisa mudou, mas existe algo enraizado, que nem o tempo levou.
A diferença na cor da pele foi usada para justificar a escravatura e apesar da abolição, continua em nossa cultura. Tem aqueles que não falam, mas no fundo acreditam e tem os que não se aguentam e logo exteriorizam. Ignoram que melanina é uma proteína que determina a nossa coloração e não pode ser usada como critério para contratação. Quantos empresários continuam com a indecência de empregar trabalhadores pela cor ou aparência. E o cabelo bom, quem é que tem? Como pode o cabelo determinar o futuro de alguém? Sendo crespo, cacheado até mesmo carapinha, se foi descolorido ou alisado a vida não é minha?
A discriminação racial direta está em nosso cotidiano e o crime de ódio cada vez mais aumentando. O racismo institucional é menos direto e evidente. Um exemplo é a abordagem policial e desconfiança de seus agentes. O Racismo estrutural está mais presente no seu dia-a-dia. Veja na sua empresa quantos negros tem chefia? A situação é bem pior quando falta a lucidez, tem os que gostam de humilhar e se desculpam com desfaçatez.
Se a educação é fundamental para o desenvolvimento da nação, garantir o acesso é o início da transformação. Por isso nem tudo está perdido é tempo de esperançar. Pela primeira vez na história, negros são maioria nas universidades públicas e vamos comemorar. Este é um reflexo das políticas de inclusão, tão combatidas por aqueles que se achavam donos da nação.
Quero convidar você para ser agente da mudança. Não classifique pessoas pela cor, respeite o idoso e a criança. Realize um debate crítico dentro de seu trabalho ou família. Nada de apelidos, tenha maturidade. Converse com seus amigos, sem rancor ou maldade. Lutar por um mundo melhor, sem preconceito e com mais respeito é obrigação de cada um, não importa se branco, amarelo ou negro. E como dizia Zumbi, nosso primeiro herói nacional: “É chegada a hora de tirar nossa nação das trevas da injustiça racial”.
Janeiro: fé, religião e política
Janeiro é um mês repleto de efemérides interessantes tais como o dia de São Sebastião, Padroeiro de várias cidades, entre as quais Ribeirão Preto e Rio de Janeiro, comemorado no dia 20. Apesar de confundido com Santo Expedito, por Regina Duarte, o santo possui um grande número de devotos e uma linda história.
Segundo ensinam, nascido na França, foi cedo para a Itália e tornou-se capitão do exército do Imperador Maximiano, denunciado recebeu a ordem de renunciar à sua fé em Jesus Cristo e diante da negativa foi condenado a uma pública e cruenta. Recebeu várias flechadas e foi deixado para sangrar até a morte. Ele resistiu, continuou vivo e, depois de recuperado voltou a evangelizar e novamente colocou-se diante do Imperador para solicitar que parasse de perseguir os cristãos. Da segunda vez foi açoitado até a morte. Ele levou a fé até as últimas consequências, mas não ameaçou tão pouco matou ninguém, ao contrário, entregou a própria vida.
Na sequência, 21 de janeiro é Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. Os dados desta prática no Brasil são alarmantes, mas na Baixada Fluminense uma situação chama a atenção: o chamado Bonde de Jesus. O grupo formado por traficantes que se dizem convertidos e evangélicos, promove ataques a terreiros de umbanda e candomblé.
Temos, ainda, o 27 de janeiro, Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, página vergonhosa onde grupos sociais considerados “inferiores”, pelos nazistas, como negros, homossexuais, judeus, Testemunhas de Jeová e ciganos, sofreram todas as barbáries nos campos de concentração. Curiosamente neste mês o país ficou estarrecido com o pronunciamento do ex-secretário da cultura em clara apologia ao nazismo.
Observamos que as três datas trazem algo em comum: a relação entre fé, religião e poder político e como as duas primeiras podem ser utilizadas como instrumento de dominação. As religiões exercem grande influência na forma que as pessoas enxergam e pensam o mundo e historicamente reis, imperadores e líderes em geral souberam usá-las. A Bíblia e os livros escolares estão recheados de exemplos: Sadraque, Mesaque e Abede-nego foram lançados numa fornalha ardente, a mando do rei Nabucodonosor; João Batista foi decapitado; Jesus e vários discípulos crucificados; Joana D’Arc foi queimada viva…
Na atualidade continua sendo instrumento de segregação de minorias, limitando o acesso a direitos humanos, criando uma legião de refugiados, promovendo divisões em várias nações e fomentando vários conflitos. Mais existe uma esperança e duas igrejas tradicionais dão importantes demonstrações de estímulo à compreensão e diálogo.
A Igreja Adventista do Sétimo Dia organizou o Departamento de Assuntos Públicos e Liberdade Religiosa que “não só se preocupa com a liberdade religiosa dos membros e das organizações e entidades que mantém, mas também apoia o direito irrestrito à liberdade religiosa para todas as pessoas, independentemente de sua filiação religiosa”.
A Igreja Católica, através do Concílio Vaticano II e do documento Nostra Aetate, exorta seus filhos exercitarem “a prudência e amor, através do diálogo e da colaboração com os seguidores de outras religiões, testemunhando sempre a fé e vida cristãs, reconheçam, mantenham e desenvolvam os bens espirituais e morais, como também os valores socioculturais que entre eles se encontram”.
Falando de religiosidade e de janeiro, não podemos esquecer de Salvador, na Bahia, onde mais de um milhão de pessoas estiveram mobilizadas da Lavagem do Bonfim e no cortejo com grupos de entidades católicas, afoxés, blocos afro e representantes dos terreiros de candomblé. A novidade foram evangélicos distribuindo “fitinhas do Senhor Jesus” para substituir as “fitinhas do Senhor do Bonfim”.
Em um país com grande divisão ideológica, respeitar os locais e liturgias religiosas; garantir a inviolabilidade e as liberdades individuais de crença, credo, culto e religião é dever de todos.
Feliz ano novo, de novo
A humanidade possui a necessidade de contar o tempo e para tal desenvolveu calendários. Tem o Chinês, o Lunar, o Solar, o Maia, o Islâmico e o nosso Calendário Cristão ou Gregoriano que registra a transição de 2019 para 2020. Com viagens, festas, mesas fartas, troca de mensagens, queima de fogos (agora sem barulho), as pessoas agradecem o encerramento de um ano velho e projetam as realizações para um novo.
Nos últimos dias as emissoras de televisão dedicaram horas de programação na realização de retrospectivas e os telespectadores mais atentos perceberam que, semelhante ao ano anterior, 2019 foi marcado pelas tradicionais tragédias individuais e coletivas. Aviões continuaram caindo, navios afundando, barracos incendiados ou soterrados, ruas inundadas, maridos matando esposas… As mesmas histórias com personagens diferentes.
A política prometia um novo ambiente, nos estados a posse de governadores, no Congresso uma renovação histórica e na presidência da república um Mito. Bastaram alguns dias para a constatação de que a “nova política” não era tão nova assim e a decepção chegou muito rápido. Enquanto pequena parte da população celebrou a reforma da previdência, a retirada de mais direitos trabalhistas e a tímida geração de empregos, a maioria sentiu na pele a falta de efetividade nas ações para a educação, cultura, saúde, meio ambiente, entre outras. Parece que existia um projeto para vencer as eleições, mas inexiste um projeto claro de nação.
Como estratégia o presidente optou por atacar a imprensa e a oposição e tenta imputar a pecha de “inimigos da nação” a todos os que fazem em uma leitura crítica. As pesquisas de opinião pública apontam baixa popularidade e uma histórica avaliação de ruim ou péssimo. Até mesmo a fiel militância virtual começa a perder força, pois não dá para disfarçar ou justificar o injustificável.
O ano de 2020 será de eleições municipais, as primeiras sem coligações proporcionais. Muitos pré-candidatos ao legislativo já estão estruturados e, apesar de tão criticada, a política deve atrair milhares de neófitos. Os atuais legisladores tentam recuperar o tempo perdido, a ciranda partidária já está em movimento e terá seu ápice na janela entre 5 de março ao dia 3 de abril. Os alcaides estão empenhados em um calendário de obras com empréstimos preocupantes e ações midiáticas que procuram criar um cenário de cidade dos sonhos, quando a realidade em vários municípios é de grande pesadelo: Faltam criatividade e habilidade na gestão e na direção.
E o que as eleições têm de relação com o novo ano? Na virada do ano, as pessoas saltam ondas, colocam roupas brancas com lingerie coloridas, fazem orações, promessas e desejam que tudo seja melhorar, mas sabem que, passadas as festas, vão encontrar os antigos problemas. Tem que pagar IPVA e IPTU com reajuste e os preços do gás de cozinha e combustível permanecem subindo. Continua difícil garantir vaga na Creche e consulta na UBS. Os ônibus lotados, o trânsito caótico, os buracos e a falta de mobilidade urbana continuam castigando. No rol de desejos individuais os mais observados em cartões e mensagens são paz, saúde, prosperidade, segurança, moradia, emprego. A maioria depende de um empenho pessoal aliado a um esforço coletivo. Se as pessoas exercitarem o amor, o perdão e a solidariedade e se os governantes implementarem as políticas públicas necessárias, certamente poderão ser materializados e o ano terá tudo para ser melhor. Quer dizer que o voto na urna tem relação direta com os votos de réveillon
O saudoso jornalista e escritor Carlos Heitor Cony cunhou uma frase interessante: “Ano novo, vida velha. A vida é mais do que calendários, fusos ou órbita gravitacional”. Com essa consciência estreamos a agenda nova, viramos a folhinha e preparamos para mais uma jornada, tendo em mente que o que nos possibilitará um ano realmente novo, será nossos pensamentos, palavras, atos e até mesmo omissões. Assim fica a esperança de um Feliz Ano Novo, de novo.
Servidor público não é bode expiatório
João e Antônia estão jantando, acompanhando o telejornal e uma reportagem chama a atenção do casal. Ela aborda os privilégios do funcionalismo público e ouve um ministro, um prefeito e um economista dizendo que os servidores são os responsáveis pela quebra da previdência e pelo endividamento de estados e municípios. O casal não percebeu que nenhum representante dos servidores foi ouvido pelo repórter, mas concordaram com a abordagem. Eles passam a acreditar que o funcionalismo ganha muito e trabalha pouco.
A noite estava quente e resolveram levar sua única filha até a sorveteria próxima da residência. No caminho um motorista em alta velocidade bate em um buraco, perde o controle do veículo, colide em outro que estava estacionado e atropela a família. Dois guardas municipais que patrulhavam a praça acionam o serviço de emergência. Uma unidade dos Bombeiros e duas ambulâncias do SAMU chegam e iniciam os atendimentos e agentes de trânsito organizam o fluxo. Policiais militares conduzem o autor até a Delegacia, onde escrivão e delegado colhem o depoimento e encaminham o sujeito ao médico legista para verificação de eventual embriagues. No local do acidente peritos da polícia científica registram cada detalhe. Na manhã seguinte trabalhadores estão recapeando e sinalizando o trecho.
A família é atendida na Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas onde as equipes enfermagem e médica continuam os procedimentos necessários para salvar as vidas. Posteriormente radiologistas, fisioterapeutas e outros profissionais da saúde se empenham na recuperação plena de todos. Agentes do Serviço de Atenção Domiciliar colaboram nos curativos diários e profissionais da saúde da família realizam visitas frequentes. O pai aciona o INSS para receber o benefício previdenciário. Também procura um defensor público para acionar o motorista imprudente que foi processado civil e criminalmente. Ao longo dos processos e seus recursos, escreventes, promotores juízes e desembargadores são mobilizados.
A família passa por dificuldades econômicas e a esposa procura a assistente social do bairro. Os professores elaboram uma estratégica para a adolescente recuperar a matéria perdida durante o período de convalescência. Aos poucos foram restabelecendo a saúde e retomando suas rotinas.
Novamente o casal janta assistindo ao telejornal, que informa a possibilidade de greve dos servidores públicos. Segundo o repórter eles estão reivindicando reposição salarial e melhorias nas condições de trabalho. O casal acha um absurdo e começa a tecer pesadas críticas ao funcionalismo. A filha muito antenada foi a única que parou para refletir sobre quem seriam os tais grevistas e alertou aos pais. Eles perceberam que bombeiros, socorristas, policiais, professores, servidores da justiça e a grande maioria das pessoas que cuidaram daquela família desde o momento do acidente é formada por funcionários públicos.
Os governantes de plantão elegeram o funcionalismo público como inimigo preferencial. Insistem no equívoco de achatar salários, reduzir investimentos, perseguir e desestimular justamente os profissionais que diuturnamente estão a serviço da população, especialmente da porção mais necessitada. São os servidores que efetivam as políticas públicas, denunciam irregularidades e garantem o acesso da população aos seus direitos. É uma categoria que merece respeito e incentivo e não pode ser utilizada como bode expiatório da crise fiscal e das mazelas que o país enfrenta.
A Consciência Nossa de cada dia
Caro leitor vou contar com sua complacência para dedicar parte de seu precioso tempo em mais uma reflexão. Falar sobre o mês da consciência, mais do que uma necessidade é minha obrigação. E não falo apenas em causa própria, trago comigo uma multidão. Cansada da intolerância e da discriminação.
Desde quando o movimento negro passou a comemorar o dia de 20 de novembro, algumas vozes insistem em transformar a data em tormento. Ficam muito incomodados pregando que preconceito não existe. Estão cegos e não enxergam que o racismo e a discriminação ainda persistem. Falam em consciência humana e que todos são iguais, mas esquecem de que só nesta semana tivemos dezenas de casos, no Brasil e internacionais.
Começou com Taison e Dentinho no Campeonato Ucraniano, passou por dois torcedores do Galo Atleticano. Até o porta-voz do MBL foi acusado de agredir uma cozinheira e a empresa de terceirização não quer “gorda, nem negra” em suas fileiras. Um ou outro caso isolado, você poderia dizer. Mas olhe bem ao seu lado, preste atenção para compreender, na fila do desemprego, no salário reduzido, bala perdida, no barraco da favela, do jovem assassinado… É possível não ver? 131 anos se passaram e muita coisa mudou, mas existe algo enraizado, que nem o tempo levou.
A diferença na cor da pele foi usada para justificar a escravatura e apesar da abolição, continua em nossa cultura. Tem aqueles que não falam, mas no fundo acreditam e tem os que não se aguentam e logo exteriorizam. Ignoram que melanina é uma proteína que determina a nossa coloração e não pode ser usada como critério para contratação. Quantos empresários continuam com a indecência de empregar trabalhadores pela cor ou aparência. E o cabelo bom, quem é que tem? Como pode o cabelo determinar o futuro de alguém? Sendo crespo, cacheado até mesmo carapinha, se foi descolorido ou alisado a vida não é minha?
A discriminação racial direta está em nosso cotidiano e crime de ódio cada vez mais aumentando. O racismo institucional é menos direto e evidente. Um exemplo é a abordagem policial e desconfiança de seus agentes. O Racismo estrutural está mais presente no seu dia a dia. Veja na sua empresa quantos negros tem chefia? A situação é bem pior quando falta a lucidez, tem os que gostam de humilhar e se desculpam com desfaçatez.
Se a educação é fundamental para o desenvolvimento da nação, garantir o acesso é o início da transformação. Por isso nem tudo está perdido é tempo de esperançar. Pela primeira vez na história, negros são maioria nas universidades públicas e vamos comemorar. Este é um reflexo das políticas de inclusão, tão combatidas por aqueles que se achavam donos da nação.
Quero convidar você para ser agente da mudança. Não classifique pessoas pela cor, respeite e idoso e a criança. Realize um debate crítico dentro de seu trabalho ou família. Nada de apelidos, tenha maturidade. Converse com seus amigos, sem rancor ou maldade. Lutar por um mundo melhor, sem preconceito e com mais respeito é obrigação de cada um, não importa se branco, amarelo ou negro. E como dizia Zumbi, nosso primeiro herói nacional: “É chegada a hora de tirar nossa nação das trevas da injustiça racial”.
Segurança do trabalho é missão de todos
Um tema de enorme relevância em nosso cotidiano e geralmente negligenciado é a segurança no trabalho. Talvez por esta razão o número de mortes causadas por acidentes do trabalho voltou a crescer em 2018, depois de cinco anos em queda.
Segundo dados analisados pelo MPT (Ministério Público do Trabalho), os acidentes do trabalho provocaram 2022 óbitos no ano passado, considerando apenas os empregados formais ou autônomos registrados no sistema da Previdência Social (os servidores públicos não foram incluídos na estatística). Além da morte, o país conta com milhões de afastamentos e sequelados em razão de lesões graves, sendo as principais: 734 mil casos de cortes e lacerações, 610 mil fraturas e 547 mil contusões e esmagamentos.
Neste contexto, o presidente da República Jair Bolsonaro iniciou em junho um amplo processo de mudanças nas normas regulamentadoras (NRs) de segurança e saúde no trabalho. O argumento usado foi de garantir a segurança do trabalhador com regras mais claras e racionais, “capazes de estimular a economia e gerar mais empregos”.
Representantes do empresariado foram favoráveis à modernização das NRs com a tese de que a maioria tinha mais de 40 anos, além de serem complexas e burocráticas, não atendendo a realidade do mercado atual. Por outro lado dezenas de entidades, entre as quais, a Associação Nacional de Medicina do Trabalho, Instituto Trabalho Digno, Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho e Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho lançaram o manifesto “Normas que Salvam Vidas: em defesa das NRs de Saúde e Segurança do Trabalho.” Expressando preocupação com a fragilização da legislação e das ações fiscalizatórias.
Buscando referências internacionais encontraremos a União Europeia, Austrália, Estados Unidos e Japão mantendo a legislação que defende a segurança no trabalho e possibilita a fiscalização. Por aqui, não é possível aceitar a tese de garantir sustentabilidade econômica com sacrifício da saúde e até mesmo da vida da força de trabalho.
Independente do posicionamento ideológico o ponto de convergência é que eventos, cursos, palestras e campanhas educativas são necessários e quando falamos em segurança do trabalho, destacamos a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes – CIPA, fundamental para a redução das tristes estatísticas. O chamado cipeiro possui olhar diferenciado capaz de identificar os riscos do processo de trabalho. Ele participa da elaboração de mapas de riscos, da divulgação de informações sobre segurança e saúde no trabalho e cobrança do empregador para as providências necessárias para garantir um ambiente de trabalho seguro. Por seu lado, os empregadores possuem papel fundamental ao proporcionar as condições adequadas.
Ribeirão Preto conta com duas leis importantes: a Lei 13870/2016 que instituí a Semana de Prevenção de Acidentes e Saúde do Trabalhador e cria o Dia Municipal em Memória das Vítimas de Acidentes de Trabalho e Doenças Ocupacionais e a Lei 13778/2016 que cria a campanha de prevenção de acidentes do trabalho e de doenças ocupacionais, denominada “Abril Verde” que devem ser efetivadas.
A população em geral, os poderes públicos e a sociedade civil organizada precisam estar conscientizados quanto à importância da prevenção dos acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, para evitar as perdas financeiras, mas principalmente para a preservação da integridade física e da vida.
Uma Santa Entre Nós
Os cristãos católicos estão em festa com a canonização da primeira santa nascida no Brasil. Para receber o título foi necessária a comprovação de dois milagres, após um processo longo e cuidadoso, mas mesmo antes de ganhar a devoção dos altares, Irmã Dulce já era reconhecida como santa e chamada de “O Anjo Bom da Bahia”.
Acostumados a cultuar personalidades que viveram em séculos e realidades distantes, os católicos experimentam agora a sensação de ver reconhecida a santidade de uma contemporânea. Maria Rita de Sousa Brito Lopes Pontes nasceu em 26 de maio de 1914 e faleceu em 13 de março de 1992. A capital Salvador foi seu universo, mas sua fama se espalhou por todo o mundo.
Milhares de pessoas que tiveram a oportunidade de conhecê-la dão testemunhos de sua vida irretocável e inspiradora e da felicidade de ter uma santa entre nós. Neste período de intolerância suas palavras ecoam como um sinal de alerta: “Procuremos viver em união, em espírito de caridade, perdoando uns aos outros as nossas pequenas faltas e defeitos. É necessário saber desculpar para viver em paz e união”.
Tendo abraçado a vida religiosa muito nova, Dulce soube como poucos enxergar e viver as dimensões do amor ao próximo. Aos 22 anos fundava, com Frei Hildebrando Kruthanp, a União Operária São Francisco, primeiro movimento cristão operário da Bahia. Já no ano seguinte, ambos criavam o Círculo Operário da Bahia com a visão de difundir o cooperativismo, a promoção social e cultural e a defesa dos direitos. Em 1939 inaugurou o Colégio Santo Antônio voltado para os operários e seus filhos.
Um dos fatos mais conhecidos de sua missão foi a invasão de casas abandonadas para abrigar doentes recolhidos pelas ruas. Logo transformaria o galinheiro do convento em Albergue e posteriormente no Hospital Santo Antônio. Atualmente as Obras Sociais da Irmã Dulce estão entre as maiores instituições filantrópicas do Brasil, com cerca de quatro milhões de atendimentos ambulatoriais por ano a usuários SUS.
Irmã Dulce tinha uma capacidade invejável de articulação com empresários e políticos e sua preocupação exclusiva com os assistidos, impedia que fosse rotulada pelos grupos rivais. Aliás, são suas duas frases célebres: “A minha política é a do amor ao próximo” e “Não entro na área política, não tenho tempo para me inteirar das implicações partidárias. Meu partido é a pobreza”.
Historicamente a pobreza foi utilizada por aqueles que buscam ascender politicamente e pelos que buscam pousar como filantropos com interesses pessoais. Em uma sociedade excludente e que amplia a desigualdade e a miséria, combater a pobreza sem qualquer tipo de interesse que não seja a promoção da justiça social é uma tarefa para poucos.
Certamente, mais do que ser cultuada através de uma foto, uma imagem ou escultura, Irmã Dulce dos Pobres desejaria que os fiéis praticassem o exercício do amor e do servir. Certa feita em uma entrevista ela declarou: “A religiosa por si mesma deve ser um exemplo. Não somos anjos nem santos, porém devemos fazer o máximo para que a nossa vida seja um exemplo”.
Vivendo na era da Fake News
Entre os inúmeros pensamentos de Cicero, um dos mais famosos filósofos da antiguidade, uma frase permaneceu até pouco tempo: “Ninguém acredita em um mentiroso, mesmo quando ele diz a verdade”. Lamentavelmente o homem contemporâneo está mudando essa máxima, preferindo adotar a fraude como verdade absoluta.
Observemos o indivíduo que ao posar para uma foto murcha a barriga, usa filtros e recursos de edição e publica uma imagem perfeita, ilusória e totalmente distanciada da realidade. Certamente receberá milhares de elogios e compartilhamentos, inclusive de quem sabe que ele não é como na foto. Existem aqueles que utilizam as mais modernas maquilagens para transparecer uma beleza que não resistirá ao primeiro banho, mesmo assim despertam o desejo e admiração dos que sabem que aquilo é irreal, mas preferem acreditar na trama.
Na política não é diferente e os lobos conseguem artifícios que os transformam em lindos e meigos cordeiros. As últimas eleições nos Estados Unidos e no Brasil foram inundadas pelas chamadas “Fake News”. Foi um verdadeiro bombardeiro de notícias falsas, imagens manipuladas e postagens montadas para desconstruir pessoas, carreiras, discursos e formar celebridades, mitos e salvadores da pátria. Hoje restou evidenciado a grande farsa e a realidade cruel está estampada para quer quiser ver, mas como ensina o ditado: “O pior cego é aquele que não quer enxergar”.
Na realidade local não é diferente, quem circula pelos diversos municípios brasileiros encontrará peças publicitarias que transformam localidades atoladas em problemas, sendo divulgadas como verdadeiros paraísos de prosperidade e eficiência administrativa. Algumas chegaram a ter celebrações pelos mil dias de governo, que lembravam as fábulas das mil e uma noites. Como diz outro adágio popular: “maior mentiroso é aquele que acredita na própria mentira” e no próximo ano, certamente a maioria dos alcaides buscará a reeleição se apresentando como os melhores representantes da nova política.
O problema não é só de quem tem a coragem de sentar diante de um computador e passar horas forjando um post ou notícia falsa e sim dos milhões de cegos intelectuais que, lá no fundo, sabem que é mentira, mas preferem professá-la como verdade, replicando-a em suas redes. Se antes poderíamos ser manipulados por alguns setores da imprensa, atualmente somos escravizados pela massificação da lorota nas mídias anti-sociais, entupidas por manchetes e notícias mocas que não resistiriam a trinta segundos de lucidez.
É triste presenciar o bom cidadão se prestando ao papel de multiplicador de teorias absurdas e lesivas aos princípios básicos do respeito, tolerância, cordialidade, dignidade e humanidade. Ao propagar uma fake news, muitas vezes pessoas que vivem arrotando moralidade em suas redes, estão praticando um crime de maior poder ofensivo do que os que elas criticam quando realizados por outrem.
Precisamos enfrentar o desafio de construir uma sociedade que seja bem informada e dotada de senso crítico para, ao acompanhar os fatos, fazer o devido juízo de valor e adotar posicionamentos que não sejam viciados ou deturpados.
Sim, o Palmeiras tem mundial!
Não é brincadeira, tão pouco provocação. Diferente dos milhões de torcedores das demais agremiações que cotidianamente compartilham vídeos e memes com a frase: “O Palmeiras não tem mundial” em franca provocação aos palmeirenses, que celebram o campeonato de 1951, estamos aqui para celebrar um título que certamente entrará para a história.
Durante a cerimônia promovida pela FIFA, em Milão, Lionel Messi foi o vencedor do prêmio The Best, sendo eleito pela sexta vez o melhor jogador do mundo, igualando o recorde da brasileira Marta. No ano em que o futebol feminino conseguiu seu maior protagonismo, Megan Rapinoe, a melhor jogadora do mundo em 2019, fez um discurso militante convocando os atletas profissionais a usarem o esporte para combater o racismo, a homofobia e todas as formas de preconceito. Segundo ela a mobilização dos esportistas pode mudar o mundo para melhor. Mas e o título do Palmeiras?
Como não poderia deixar de ser, o título mundial foi conquistado por integrantes da “torcida que canta e vibra” e, entre a legião palmeirense, dois emocionaram o mundo: Silvia Grecco e o garoto Nickollas de 12 anos, descobertos pelo repórter Marco Aurélio Souza que fez uma matéria sobre a mulher que acompanha seu filho cego em todos os jogos do verdão no Allianz Parque e no Pacaembu. A mãe narra os jogos e faz áudio descrição possibilitando que o adolescente tenha todas as informações necessárias para curtir sua paixão pelo futebol.
Ao ser eleita a melhor torcedora do mundo, Silvia dedicou o título a um concorrente ao prêmio, o uruguaio Justo Sánchez, que apesar de torcer pelo Cerro, passou a acompanhar os jogos do Rampla Juniors como homenagem a memória de seu filho, que morreu na volta de uma viagem após acompanhar uma partida do time de coração. A brasileira aproveitou toda a visibilidade do prêmio para abrir os olhos do mundo do futebol sobre a existência das pessoas com deficiências e suas necessidades de amor, respeito e inclusão.
A história de carinho e dedicação é mais linda do que se possa imaginar. Nickollas poderia ser apenas um número perdido em estatísticas. Nasceu prematuro, autista, com deficiência visual e, provavelmente, estaria condenado a uma vida de exclusão. Após quatro meses de internação e, depois de ser rejeitado por doze casais, foi adotado por Silvia. Sempre ignorados, durante anos foram ao estádio e repetiram o mesmo ritual, até que o olhar atento de um repórter esportivo possibilitou que a história fosse compartilhada com o Brasil e agora com todo mundo.
Além dos palmeirenses, milhares de torcedores de diversos times foram mobilizados para votar na comovente família brasileira. Durante a premiação, Silvia foi ovacionada, poucos não aplaudiram, talvez porque suas mãos estivessem ocupadas enxugando as lágrimas. Seu título é individual, mas inspira o coletivo. Que seu exemplo seja multiplicado por país, irmãos, amigos, enfim por todos os apaixonados por futebol.
Ah! Antes que esqueça, agora o Palmeiras tem mundial.
Quando conquistaremos o pódio da inclusão?
Os Jogos Parapan-Americanos de Lima, no Peru, entraram para a história do esporte como a melhor campanha da delegação brasileira. Foram conquistadas 308 medalhas, sendo 124 ouros, 99 pratas e 85 bronzes. Nosso hino nacional nunca foi tão tocado em competições internacionais. Um das estratégias foi levar a maior delegação de todos os tempos com 337 desportistas e 513 profissionais.
Daniel Dias continuou soberano na natação vencendo seis provas e chegando a incrível marca de 33 medalhas de ouro na competição continental. Belas histórias foram reveladas como a dos irmãos paraenses, Josermárcio, do goalball e Lucilene, da Natação, ambos têm atrofia do nervo óptico, doença que causa uma perda irreversível da visão.
Enquanto alguns atletas dirigem o foco para as próximas competições mundiais de suas modalidades e para as Paralimpíadas 2020, em Tóquio, outros retornaram para as extenuantes rotinas de treinamento e superação de infinitas barreiras, já que o mesmo país que vibra com o êxito proporcionado pelas competições é o que excluiu milhões em ações cotidianas.
Algumas pessoas ficaram surpresas com a quantidade de paratletas e somente a invisibilidade proporcionada pela exclusão social é capaz de fazer com que esqueçamos que, segundo o IBGE, o Brasil possui 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência física.
Discriminação e preconceito são as barreiras invisíveis e uma pesquisa realizada em 2016 apontou que 71% dos atletas paraolímpicos do Brasil já foram alvo de preconceito social. As maiores vítimas foram mulheres entre 20 e 29 anos nas regiões Norte e Centro-Oeste. Existem, ainda, as barreiras físicas. A falta de acessibilidade, por exemplo, é um problema cultural que traz transtornos diários e impede que milhares de brasileiros tenham o direito de ir ao trabalho, escola ou mesmo praticar lazer, prejudicados pela ausência de uma rampa, por uma calçada mal conservada e até mesmo por motoristas que insistem em utilizar as vagas reservadas.
O processo de inclusão inclui o tratamento adequado, sendo recomendado preferencialmente o uso do termo pessoa com deficiência, adotado pela Organização das Nações Unidas que definiu: “pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas”.
No mercado de trabalho, há 28 anos, temos a Lei de Cotas para Deficientes que determinas às empresas com 100 ou mais funcionários, a contratação entre 2% e 5% de trabalhadores com deficiência. Ocorre que, segundo dados do Ministério da Economia, o percentual nunca passou de 1%.
As diferenças e exclusões continuam presentes nas atividades culturais, sociais, religiosas, e econômicas. É claro que as vitórias esportivas devem ser bastante celebradas, mas nosso país continua muito distante de alcançar o pódio da inclusão plena das pessoas com deficiência.
Preservação ambiental não é fogo de palha
O fogo está no foco e os debates estão literalmente acalorados. Por um lado aqueles que vaticinam o aumento do aquecimento global e a destruição de considerável parte de nossa biodiversidade e por outro os que enxergam que queimadas e desmatamento são fatos corriqueiros e habituais que estão sendo utilizados politicamente para abalar a credibilidade do governo atual.
Na guerra de informações, fofocas e fake news, tudo vale, desde ativistas ambientais postando fotos equivocadas em suas mídias sociais até presidente acusando ONG´s, sem, no entanto, apresentar provas. A novidade documentada foi uma reportagem do Globo Rural que apresentou ofício do Ministério Público do Pará alertando ao IBAMA sobre a possível realização do “Dia do Fogo”, onde cerca de 70 pessoas entre, produtores rurais, comerciantes e grileiros estariam organizando, via WhatsApp, ato de apoio ao presidente da república pelas medidas que atenuam o poder de fiscalização. A mesma reportagem traz o depoimento de uma pecuarista acusando servidores da área ambiental federal de serem os responsáveis pelas queimadas.
Durante a campanha eleitoral o candidato Bolsonaro criticou ambientalistas e prometeu acabar com a “indústria das multas ambientais”, além de retirar o Brasil do Acordo de Paris pelo Clima. Recentemente publicou Decreto criando os núcleos de conciliação ambientais que, entre outras atribuições, poderá conceder descontos, parcelamentos e até conversão das multas ambientais em serviços de preservação, melhoria ou recuperação do meio ambiente, medida vista por opositores como um verdadeiro “balcão da impunidade’.
Apesar de contestados pelo governo federal, os dados apresentados pelo INPE e confirmados pela NASA apontam considerável aumento do desmatamento e do número de queimadas e cientistas esclarecem que um está diretamente ligado ao outro. Além das queimadas, a extração ilegal de madeira e a expansão pecuária desenfreada proporcionam erosão do solo, perda da biodiversidade, extinção de rios e nascentes, desertificação, perda de recursos naturais e alteração no clima.
Alguns representantes do agronegócio já tentam fazer o governo compreender que a política ambiental está incluída na política comercial global. Os consumidores estrangeiros, notadamente da Europa, exigem boas práticas na produção e os acordos comerciais recém-entabulados podem sofrer consideráveis abalos.
A preservação ambiental não é só fogo de palha, está nas agendas prioritárias das nações que desejam aliar desenvolvimento econômico com qualidade de vida. A floresta amazônica é nossa e o país precisa manter sua soberania, mas não podemos olvidar de um compromisso que é missão de todos os povos e nações. O que está em pauta não é defender ou acusar o governo. É preservar a vida, em todos os seus aspectos.
Para arrefecer a contenda seria necessário despir-se dos mantos ideológicos, renunciar aos interesses econômicos, sair do conforto urbano de uma sala com ar condicionado e água mineral conservada em refrigerador e buscar conhecer a verdadeira realidade da região amazônica. Após visitar as áreas destruídas, formar um juízo de valor e posicionamento conscientes, adotar gestos transformadores e, quem sabe, procurar sentar-se à sombra de uma árvore, depois mergulhar as mãos em uma nascente e tomar um bom gole de água fresca, enquanto ainda é possível encontra-las.
Agosto lilás: uma luta de todos nós
Camisetas, laços e prédios públicos iluminados com a cor lilás indicam que estamos vivenciando o mês de conscientização pelo fim da violência contra a mulher, onde toda sociedade é convidada a participar dos esforços para redução da triste realidade.
A violência contra a mulher está presente em nosso cotidiano, especialmente no âmbito das famílias. As estatísticas são alarmantes e sabe-se que a maioria dos casos ainda permanece escondida. Esse fenômeno já é considerado problema de saúde pública capaz de deixar traumas permanentes às vítimas e está presente em todas as classes sociais e credos religiosos. O problema surge da cultura de discriminação que desenvolve estereótipos que tentam justificar a inferioridade em relação aos homens, muitas vezes atribuindo a culpa à própria vítima.
Quando uma morte é noticiada, por alguns instantes existe uma comoção que logo se transforma em esquecimento ou banalização. O que não se observa é que, antes de chegar ao óbito, a mulher passa por uma série de situações e sofre diversos tipos de violência entre as quais física, psicológica, moral, sexual, digital, patrimonial e até a institucional.
Em grande número dos casos a mulher possui envolvimento emocional ou afetivo com o agressor. Isso, aliado à dependência econômica pode ser decisivo para impedir ou dificultar a realização de denúncias e a quebra do vínculo violente. Muitas mulheres acreditam que são culpadas e não conseguem reconhecer as situações de abuso a que são submetidas.
Geralmente a sociedade cobra atitudes das mulheres e tece críticas às que não abandonam seus parceiros. Antes de apontar o dedo é necessário compreender possíveis razões para essa aparente passividade. Inicialmente existe aquela velha esperança de que o parceiro agressivo mudará seu comportamento, depois tem a questão da vergonha da exposição e o temor de julgamentos. As barreiras familiares e financeiras também são presentes, aliadas à falta de conhecimento sobre a existência de uma rede de proteção completando o triste quadro.
Não podemos esquecer a crueldade de agressores, especialmente companheiros, que impõe torturas psicológicas materializadas por ameaças contra a mulher, seus filhos ou familiares. As agressões verbais e mesmo as agressões físicas, que algumas vezes não deixam marcas aparentes, vão minando as forças e fragilizam a vítima de tal sorte que permanece passiva e calada.
Os profissionais da segurança, saúde, educação e assistência social possuem um papel importante na detecção, orientação e combate à violência, pois muitas vezes a mulher lança pedidos de socorro imperceptíveis. Estruturar o acolhimento com uma escuta qualificada, sem julgamentos ou discriminação, dentro de um atendimento humanizado que garanta privacidade, sigilo e confiança pode ser determinante para a preservação da integridade física e da própria vida.
Embora muitos não saibam, existe uma rede protetiva integrada pelas Unidades de Saúde, Defensoria Pública, Ministério Público, Delegacia de Defesa da Mulher, Polícia Militar e Guarda Civil Municipal (Patrulhas Maria da Penha) entre vários, capaz de acolher e proteger as vítimas. Ribeirão Preto conta ainda com o NAEM – Núcleo de Atendimento Especializado à Mulher, que trabalha de forma articulada com outros serviços socioassistenciais e órgãos do Sistema de Garantia de Direitos. Durante 24 horas também pode ser acionado o disque denúncia: 161.
O cidadão comum também pode auxiliar, sempre ouvindo com atenção e sem julgamentos, perguntando para a vítima como ela desejaria ser ajudada, valorizando os sentimentos, colocando-se em seu lugar e compreendendo que dentro de seu trabalho, de seu circulo de amizades ou grupo social pode, com pequenas atitudes, ser um grande agente de transformação.